Justiça

Bolsonaro nega que tenha editado minuta golpista, mas admite ter discutido GLO com militares

O ex-capitão é acusado de cinco crimes, entre eles o de organização criminosa armada e o de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito

Bolsonaro nega que tenha editado minuta golpista, mas admite ter discutido GLO com militares
Bolsonaro nega que tenha editado minuta golpista, mas admite ter discutido GLO com militares
Jair Bolsonaro participa do 2º dia de interrogatório da trama golpista no STF. Foto: EVARISTO SA / AFP
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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) prestou depoimento ao Supremo Tribunal Federal nesta terça-feira 10 no âmbito da ação da trama golpista. O ex-capitão é réu no caso e acusado de cinco crimes, entre eles o de liderar uma organização criminosa armada e o de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

O primeiro questionamento direcionado a Bolsonaro pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, tratou de uma declaração do ex-presidente na reunião ministerial de 5 de julho de 2022, quando ele acusou Moraes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, que presidia o Tribunal Superior Eleitoral, de receberem de “30 a 50 milhões de dólares” para fraudarem a eleição. Bolsonaro pediu desculpas ao ministro relator e disse que não tinha nenhuma prova ou indício sobre o assunto.

Urnas

Moraes passou então a perguntar sobre as urnas eletrônicas e quis saber qual era o fundamento concreto para as críticas de Bolsonaro ao sistema eleitoral. O ex-presidente disse que essa foi sempre sua “retórica”, desde quando era deputado federal pelo Rio de Janeiro. “A questão da desconfiança, suspeição ou crítica às urnas não é algo privativo meu”, alegou.

Bolsonaro também fez uma “recomendação” ao TSE e disse que aprimoramentos deveriam ser feitos para não haver dúvidas quanto às urnas eletrônicas. “Se não houvesse essa dúvida, com toda certeza nós não estaríamos aqui hoje”, disse.

O ex-presidente, neste momento, foi repreendido por Moraes, que afirmou não haver dúvidas contra o sistema eleitoral. “Na verdade, não há qualquer dúvida sobre o sistema eletrônico e esse inquérito não tem nada a ver com as urnas eletrônicas e sua defesa vai poder esclarecer, porque já está juntado aos autos”, destacou Moraes.

Outro questionamento levantado pelo ministro foi sobre a reunião de Bolsonaro com embaixadores em 18 de julho de 2022. Moraes quis saber qual o objetivo do ex-presidente com aquele encontro. Bolsonaro disse que a reunião era prerrogativa do presidente da República e que pode ter exagerado na forma, mas que mantém o posicionamento de colocar um “alerta” nos representantes de outros países sobre possíveis fraudes nas urnas eletrônicas.

O ex-capitão também negou ter pressionado o general Paulo Sérgio Nogueira, então ministro da Defesa, para que ele incluísse em um relatório a alegação de que seria possível fraudar as urnas eletrônicas. “Eu pedia ao ministro da Defesa que fizesse um relatório o mais imparcial possível, colocando apenas o que não deixasse dúvidas. Meu relacionamento com qualquer ministro nunca foi de pressão ou autoritarismo, era uma relação bastante fraternal”, afirmou.

Hacker

Ainda sobre urnas eletrônicas, Moraes perguntou se Bolsonaro se encontrou com Walter Delgatti Neto, o que foi respondido positivamente. Segundo as investigações, o hacker foi levado ao Palácio da Alvorada pela deputada Carla Zambelli (PL-SP). “Ela levou o hacker, não senti confiança nele, como de praxe encaminhei para a comissão de transparência eleitoral e nunca mais tive contato. Nem sei se foi recebido na Defesa ou não.”

Minuta golpista

Bolsonaro passou então a ser inquirido sobre a chamada minuta golpista e negou que tenha recebido, lido ou “enxugado” o documento que previa a prisão de autoridades e o chamamento de novas eleições. O ex-presidente disse que agiu “dentro das quatro linhas da Constituição”. “Refuto qualquer possibilidade de minuta de golpe. Não conversei sobre esse assunto com ele [Filipe Martins, apontado como autor da minuta].”

O réu foi questionado se houve uma reunião com os três comandantes das Forças Armadas para discutir ações de golpe de Estado. Bolsonaro admitiu o encontro, mas disse que o único dispositivo constitucional que foi conversado foi a decretação de uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem), justamente porque havia sinais de que os caminhoneiros iriam causar distúrbios no País.

“Houve reuniões sobre vários assuntos. Por exemplo, tratamos de GLO porque caminhoneiros estavam bloqueando estradas e havia pessoas em frente aos quartéis-generais […]. As conversas eram bastante informais, não era nada proposto, ‘vamos decidir’. Era conversa informal para ver se existia alguma hipótese de um dispositivo constitucional para a gente atingir o objetivo que não foi atingido no TSE”, relatou. “Isso foi descartado na segunda reunião”, concluiu sobre o tema.

Golpe de Estado

O ex-presidente também negou diante do Supremo que tenha articulado um golpe de Estado. Disse que golpe é uma coisa “abominável” e que nunca conversou com nenhum dos chefes das Forças Armadas sobre isso. “Da minha parte e dos comandantes militares nunca se falou em golpe. O golpe é uma coisa abominável. Golpe deve ser uma coisa fácil de começar, mas o after day [dia seguinte, em tradução livre] é uma coisa imprevisível e danoso para todo mundo”, afirmou ao sustentar nunca ter conversado sobre essa hipótese enquanto era presidente.

Acampamentos

Bolsonaro, em outro momento do interrogatório, admitiu que não houve ação da sua gestão ações para desmobilizar os acampamentos golpistas nas frentes dos quartéis do Exército pelo País. Ele culpou, neste ponto, o presidente Lula (PT) pela manutenção dos acampados, que ficaram por mais “seis dias” na QG em Brasília, em 2023, até o dia da insurreição bolsonarista em 8 de Janeiro.

O ex-presidente disse que não estimulou nada de “anormal”, mas que vários apoiadores pediam a ele ações como um AI 5 – decreto de 1968 durante a ditadura militar no Brasil, considerado o ato mais duro e que endureceu a repressão política.

Medo de vaias

Lula, por sinal, voltou a ser citado por Bolsonaro durante o interrogatório. Ele explicou, sem ser perguntado diretamente sobre o episódio, o que motivou sua ausência na cerimônia de transição de cargo. A Moraes, disse não querer se “submeter à maior vaia” da história do Brasil.

Risadas

Um momento tirou risadas de todos os presentes no plenário da Primeira Turma do STF. O ex-presidente ofereceu mostrar para o ministro Moraes imagens de como é tratado por onde passa e o ministro declinou. Bolsonaro riu e perguntou se poderia fazer uma brincadeira. Moraes sugeriu que o ex-presidente perguntasse antes aos seus advogados. Foi aí que Bolsonaro disse: “Eu gostaria de convidá-lo para ser meu vice em 2026”.

Outros depoimentos

Na véspera, o Tribunal realizou as oitivas de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e delator no caso, e do deputado federal Alexandre Ramagem (PL), ex-chefe da Abin. Hoje, mais cedo, o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o ex-ministro do GSI Augusto Heleno foram ouvidos. Esse último optou por não responder às perguntas feitas pelo ministro Alexandre de Moraes, que conduz o interrogatório.

Depois de Bolsonaro, o STF deve ouvir, ainda, outros dois acusados pela trama. São eles:

  • Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa; e
  • Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-candidato a vice-presidente.

Walter Braga Netto será o único a depor por videoconferência, uma vez que está preso preventivamente desde dezembro, no Rio de Janeiro.

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