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Bisbilhoteiros

Ao expor a “Abin paralela” dos Bolsonaro, o País ganha a oportunidade de redefinir o sistema de inteligência

Imagem: Geraldo Magela/Ag. Senado
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Em outubro de 2022, uma assessora do vereador carioca Carlos Bolsonaro mandou uma mensagem escrita ao celular de uma colaboradora do delegado federal Alexandre Ramagem. Este havia sido segurança de Jair Bolsonaro na campanha de 2018, passara o réveillon daquele ano com Carlos e, logo após a posse do capitão na Presidência da República, em 2019, fora alçado ao comando da Agência Brasileira de Inteligência. Em 2022, concorreu a deputado pelo Rio de Janeiro e elegeu-se. Na mensagem a Priscilla Pereira e Silva, enviada após o primeiro turno da última eleição, Luciana Paula de Almeida identificava-se como assessora de Carlos e desejava sucesso “nesta nova etapa de sua vida”. Empossado deputado em fevereiro de 2023, Ramagem logo nomeou Priscilla como secretária parlamentar. “Muito obrigado, Luciana!”, ela havia respondido às 8h24 de 9 de outubro de 2022. “Agora vamos eleger o nosso Presidente Bolsonaro (no segundo turno).”

A Polícia Federal não tem pressa em ouvir Carluxo ou Ramagem sobre a arapongagem

Em 11 de outubro de 2022, Luciana voltou a escrever a Priscilla: “Estou precisando muito de uma ajuda”. Em algum momento posterior, completou a mensagem. Citava uma delegada da Polícia Federal, Isabela Muniz Ferreira, dois inquéritos policiais (números 73.630 e 73.637) e uma explicação sobre eles: “Envolvendo PR e 3 filhos.” PR é como um presidente, qualquer um, é chamado por seus seguranças. Uma foto da troca de mensagens entre Luciana e Priscilla foi encontrada pela Polícia Federal no celular de Ramagem, após uma batida em 25 de janeiro que apreendeu seis telefones e dois notebooks do deputado. A descoberta da foto levou os federais a Carluxo quatro dias mais tarde. O vereador estava com o pai e o irmão Eduardo na casa de veraneio da família em Angra dos Reis, no litoral fluminense. A PF apreendeu um celular e três notebooks. Do gabinete do vereador, levou outro computador e alguns documentos. Na residência do parlamentar, na Barra da Tijuca, no mesmo condomínio do pai, recolheu três telefones.

Carlos Bolsonaro era o chefe político, diz a PF. Ramagem (acima), o gestor da bisbilhotagem – Imagem: Pablo Valadares/Ag. Câmara

As operações policiais contra Carlos e Ramagem, tachadas de “perseguição” pelo bolsonarismo, fazem parte de uma investigação que consagra de vez a ideia de que havia uma “Abin paralela” na época em que o hoje deputado comandava a agência. A expressão é usada tanto pelo delegado à frente das apurações, Daniel Nascimento, quanto pelo juiz Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, em pedidos, pareceres e decisões relativos às investidas recentes contra os investigados. A conversa por celular entre as assessoras seria, segundo Nascimento, uma pista de que o vereador encomendava ao delegado certas missões. Carlos seria o chefe político da “Abin paralela” e Ramagem, o comandante do núcleo de alta gestão, tarefa para a qual tinha como auxiliar outro delegado, Carlos Afonso Coelho, ocupante dos postos 2 e 3 da agência no governo passado. Uma engrenagem acrescida, segundo Nascimento, de policiais nomeados por Ramagem na Abin e por servidores do órgão.

Com Bolsonaro, a agência subordinava-se ao GSI, do general-ministro Augusto Heleno, intimado a depor na terça-feira 6. Carlos compareceu perante os federais em 30 de janeiro, mas para esclarecer outro tema, uma postagem em rede social de teor negativo para o atual chefe da PF, o delegado Andrei Rodrigues. A polícia não tem pressa de ouvi-lo sobre a “Abin paralela” nem marcou data para um depoimento. Idem no caso de Ramagem, embora este tenha dito nos últimos dias que teria sido intimado a depor. No governo Lula, a Abin deixou a batuta fardada e passou ao guarda-chuva da Casa Civil. A cúpula montada por seu atual diretor-geral, o delegado Luiz Fernando Corrêa, implodiu em parte, no embalo das apurações da PF. Dois policiais levados por ele foram demitidos, um agora, outro em outubro. O novo número 2 da agência é Marco Cepik, acadêmico especialista em inteligência e segurança nacional e diretor da escola da agência desde o início da gestão de Corrêa, o que sugere o reforço de um perfil de atuação da Abin desenhado em 2023. Sobre as mudanças preparadas pela agência na lei que a criou e sobre críticas ao papel que o órgão tem cumprido desde sua criação se falará mais adiante.

Alvos corriqueiros do bolsonarismo, Mendes e Moraes foram vítimas de uma tramoia: a tentativa de ligá-los ao PCC. Para azar do clã, Gonet Branco não é Aras – Imagem: Leobark Rodrigues/MPF e Antônio Cruz/ABR

São ao menos três os crimes potenciais por trás da “Abin paralela”. Interceptar comunicações alheias sem aval judicial custa de dois a quatro anos de prisão. Invadir um dispositivo informático, de um a quatro anos. Cometer ilícitos em bando, a chamada organização criminosa, de três a oito anos.

A existência de uma “Abin paralela” está sacramentada agora como linha de investigação policial, mas não é enredo novo. Fala-se a respeito desde 2019. Em dezembro daquele ano, a então deputada Joice Hasselmann depôs à CPI das Fake News. E instigou a comissão a ouvir Gustavo Bebbiano. “Ele me deu uma informação (…) que o Carlos tentou montar uma Abin paralela para que houvesse grampo de celular, dossiês feitos, e isso teria causado um atrito. E o nome foi este: uma Abin paralela.” Bebbiano havia sido secretário-geral da Presidência por menos de dois meses sob Bolsonaro. Saiu em fevereiro de 2019, e uma das razões foram atritos com o vereador. Em 2 de março de 2020, durante entrevista no programa Roda Viva, da TV Cultura, revelou: “Um belo dia, o Carlos me aparece com o nome de um delegado federal e de três agentes que seriam uma Abin paralela, porque ele não confiava na Abin”. Por este relato, Bebbiano e outro ministro, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, tentaram em vão convencer o capitão a barrar o esquema. O general havia sido degolado por Bolsonaro também em 2019. Bebbiano morreu duas semanas após a entrevista.

O esquema buscava proteger o clã Bolsonaro de investigações, monitorar adversários e ex-aliados e comprometer desafetos

Outros fatos da administração Bolsonaro reforçam a sensação de um governo bisbilhoteiro. No primeiro dia no poder, o capitão baixou uma Medida Provisória, a 870, que, entre outros pontos, autorizava a Secretaria-Geral a monitorar ONGs. O Congresso barrou. Em abril de 2020, revelou, em uma reunião ministerial, cuja gravação foi ordenada pelo Supremo, possuir um sistema “particular” de informações, pois os oficiais “desinformam”. Em julho daquele ano, assinou um Decreto, o 10.445, para ampliar os poderes da Abin na requisição de informações. O Supremo anulou a medida. Na mesma época, o Ministério da Justiça divulgou um dossiê com o nome de quase 600 cidadãos carimbados de “antifascistas”, índex para nenhum trabalhar no governo. O STF proibiu a repetição desse tipo de monitoramento. Em 2021, a mesma pasta da Justiça tentou comprar um sistema israelense de invasão de celulares, o Pegasus. O Tribunal de Contas da União vetou, em meio a notícias de que Carluxo era entusiasta da compra.

O que teria feito a “Abin paralela”? A PF aponta alguns episódios, dois conhecidos há tempos e com filhos de Bolsonaro em cena. A Abin de Ramagem teria tentado proteger Jair Renan, o 04, da suspeita de tráfico de influência no governo do pai e o senador Flávio da acusação de “rachadinha” no tempo de deputado estadual no Rio. No primeiro caso, desponta o policial Luiz Felipe Barros Félix. No segundo, o delegado Marcelo Bormevet. Ambos acabam de ser afastados das funções públicas. Entre os episódios novos está o monitoramento da promotora Simone Sibilo, do Rio, a primeira a cuidar da investigação do assassinato de Marielle Franco. Há documentos na Abin sobre Simone, cujo currículo foi impresso por um funcionário da agência, conforme descoberto pela Controladoria-Geral da União.

Imagem: Geraldo Magela/Ag. Senado, Redes Sociais e CMRJ

Houve ainda espionagem de políticos, razão para o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, solicitar ao Supremo uma lista com os nomes dos parlamentares vigiados. A PF encontrou na Abin um arquivo eletrônico (“Prévia.nini”) cujo objetivo seria ligar congressistas e dois juízes do Supremo, Moraes e Gilmar Mendes, ao PCC. O autor do documento é um servidor da agência, Ricardo Wright Macedo, atualmente lotado no gabinete de um senador bolsonarista, Allan Rick, do Acre. Outro caso de vigilância envolve políticos direitistas que apoiavam o governo do capitão no começo e romperam, Joice Hasselmann e Rodrigo Maia, presidente da Câmara em 2019 e 2020. O monitoramento da dupla foi feito por um subordinado de Ramagem ao seguir um advogado, Roberto Bertholdo, que mantém relações com os dois. O espião é militar do Exército, Giancarlo Gomes Rodrigues, alvo de busca e apreensão policial na segunda-feira 29. Ao seguir Bertholdo e chegar a Maia e Joice, o militar teria usado uma ferramenta tecnológica israelense, a First Mile, equipamento na origem das apurações sobre a Abin palarela.

O First Mile foi adquirido no fim do governo Temer, em 2018, por 5 milhões de reais. Teria sido usado no governo Bolsonaro para monitorar ilegalmente uma penca de cidadãos, conforme notícia de março de 2023 de O Globo. A reportagem levou à abertura de um inquérito da PF. Sete meses depois, em 20 de outubro, a PF foi às ruas pela primeira vez neste caso. Autorizada por Moraes, vasculhou a sede da Abin e prendeu dois servidores da casa, Rodrigo Colli e Eduardo Izycki, em cana até hoje. Os detidos tinham sido alvo de um processo disciplinar instaurado na agência em junho de 2019. O motivo, segundo CartaCapital apurou, foi a tentativa de vender ao governo, em 2018, um software criado por eles possivelmente no tempo em que deveriam dar expediente na Abin. O negócio seria selado por uma empresa, a Icciber Segurança Cibernética, aberta em 2017 em nome do pai de Izycki e de uma servidora do Ministério da Defesa.

Moretti foi demitido. Bebbiano falou da Abin paralela em 2020 – Imagem: Maurício F. de Araújo/SSP/GOVDF e Valter Campanato/ABR

Para escapar de punição disciplinar, no limite, uma demissão, Colli e Izycki teriam ameaçado revelar ilegalidades da agência, entre elas o uso indevido do First Mile. Ramagem assumiu a Abin em 2019 e teria cedido à chantagem. Segurou a apuração disciplinar por dois anos. Em 2021, converteu-a em um processo novo e deu licença a um dos investigados, Izycki. Entre colegas, há quem diga que Colli e Izycki estão por trás da reportagem de março de 2023, impelidos por vingança. No dia da prisão da dupla na Operação Última Milha, o número 3 da Abin foi afastado pelo juiz Moraes. Paulo Maurício Fortunato Pinto é delegado da PF e tinha sido levado por Corrêa, o diretor da agência escolhido por Lula. A PF vasculhou sua casa e achou 170 mil dólares de origem desconhecida. Não se sabe o que pesava contra Fortunato. Ao contrário das decisões recentes sobre Ramagem e Carlos Bolsonaro, a decisão de Moraes que autorizou a operação de 20 de outubro não foi divulgada.

Fortunato, agente dos tempos do SNI da ditadura, perdeu o cargo de vez em 23 de outubro, exonerado pelo governo. Possuía uma credencial bolsonarista: fora diretor de Inteligência da agência no tempo de Ramagem. Segundo o delegado Nascimento, o que conduz as apurações sobre a Abin paralela, Fortunato falou de uma reunião interna em 28 de março de 2023 para “acalmar a turma”, ou seja, os servidores da casa, diante da abertura do inquérito da PF sobre o esquema. Na reunião, o número 2 do órgão, Alessandro Moretti, teria dito que a investigação tinha “fundo político e iria passar”. Segundo a PF, essa postura indicaria uma disposição da cúpula de proteger colegas e atrapalhar as investigações. Moretti é outro delegado da história. Também havia sido levado por Corrêa, apesar das credenciais bolsonaristas. Em 2021 e 2022, ocupara duas diretorias da PF. Em 2019 e 2020, fora braço direito de Anderson Torres, último ministro da Justiça do capitão, na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal.

Mensagens trocadas entre assessoras de Carlos Bolsonaro e Alexandre Ramagem

Fortunato e Moretti foram as razões para o Senado ter demorado dois meses, no ano passado, para aprovar a indicação de Corrêa por Lula à chefia da Abin. A comissão encarregada de sabatinar o indicado é a de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Seu presidente é Renan Calheiros, do MDB de Alagoas. Para Calheiros, as ligações de Fortunato e Moretti com o bolsonarismo bastavam para desconfiar de Corrêa. Ele só aceitou levar adiante a sabatina após viajar com Lula ao exterior e o presidente lhe ter dito que confiava em Corrêa. “O Brasil nunca teve um órgão de inteligência a serviço do Estado e da Democracia. Sempre foi um pântano de arapongagem política”, escreveu Calheiros em uma rede social em 25 de janeiro, dia da batida policial em Ramagem.

Neste ano, o senador presidirá a comissão do Congresso encarregada do controle externo da Abin. Integrante da comissão desde 2023, o senador tem tentado saber, sem sucesso, se Ramagem usou dinheiro da agência destinado a pagar informantes para “comprar” cabos eleitorais no Rio de Janeiro. A operação por trás do desvio teria o nome de “zero seis”. As respostas enviadas pela Abin ao senador têm sido, segundo ele, evasivas. O parlamentar é favorável ainda a mudanças na lei da Abin, para tentar impedir que se repitam atuações indevidas da agência, algo que não aconteceu apenas na era Bolsonaro. No governo Temer, noticiou-se que o órgão teria espionado o Supremo, em razão do escândalo da JBS, que quase levou à cassação do emedebista.

Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara, consta da lista de políticos monitorados pelo “serviço secreto” de Bolsonaro – Imagem: Fábio Rodrigues Pozzebom/ABR

Os planos de Calheiros estão em sintonia com o que pensam a Intelis, União dos Profissionais de Inteligência da Abin, e Cepik. Nos últimos dias, a Intelis divulgou uma carta aberta, na qual realça o fato de a agência ter sido capturada por gente de fora no tempo de Ramagem e que foi capaz de produzir alertas sobre o que estava por vir em 8 de janeiro de 2023, fato reconhecido no relatório final da CPI sobre o levante bolsonarista. A entidade se diz a favor de o Brasil ter um serviço de inteligência qualificado, à altura do peso geopolítico do País. Mais: defende mudanças na lei para definir melhor as atribuições, as ferramentas e os limites do trabalho de inteligência. E que seja criada uma vara especial no Judiciário federal para cuidar de casos de inteligência.

“O Brasil precisa de um serviço de inteligência à altura de seu peso geopolítico”, afirma Marco Cepik, novo diretor-adjunto da Abin

É uma agenda parecida com a que Cepik diz ser prioridade na Abin até o fim do atual governo. Diante do que tem sido investigado e descoberto pela Polícia Federal e do que a atual cúpula da agência identificou desde 2023, Cepik afirmou a CartaCapital: “É possível dizer que havia, sim, uma Abin paralela”, apesar de tudo ter sido feito informalmente, a fim de não deixar rastros ou pistas. “Temos de acertar contas com esse passado, mas também olhar para a frente, o Brasil precisa de um serviço de inteligência à altura de seu peso geopolítico”, prossegue o novo diretor-adjunto do órgão. O Brasil está à frente do G-20 neste ano e, em 2025, sediará a COP-30, tarefas para as quais a Abin pretende contribuir com Lula.

Por que o interesse em espionar a procuradora do caso Marielle? – Imagem: Tânia Rêgo/ABR

A agência tem discutido ainda com integrantes do Judiciário como criar a tal vara especial para inteligência, iniciativa que, do ponto de vista legal, teria de partir da toga, não do governo. Além disso, pretende lançar uma plataforma de comunicação para os 48 órgãos do chamado Sisbin, a rede nacional de inteligência coordenada pela própria Abin. A agência está perto de finalizar a minuta de um projeto para alterar a atual lei, de 1999. A proposta conterá definições mais claras e precisas sobre o que é e para que serve o trabalho de um oficial de inteligência. E disciplinar operações “clandestinas” para neutralizar espionagem estrangeira por aqui e ameaças de terrorismo e ao Estado Democrático de Direito.

Se a crise da “Abin paralela” servir não só para expor e punir a arapongagem bolsonarista, mas também qualificar o serviço secreto brasileiro, será um avanço. •


Arapongas no Paraná

O uso do software espião no governo de Ratinho Jr.
por René Ruschel

Contrato de Ratinho Jr. é investigado pela PF – Imagem: Marcelo Aparecido Silva Camargo

Passados pouco mais de 70 dias da posse, em março de 2019, o governador do Paraná, Ratinho Júnior, do PSD, e o então embaixador de Israel, Yossi Shelley, firmaram um protocolo de intenções nas áreas de ciência e tecnologia, segurança pública, agricultura, saúde, educação e reaproveitamento de água. Ratinho Jr. ressaltou na ocasião: “A Secretaria de Segurança Pública vai reforçar os investimentos na área para adquirir câmeras, drones e tecnologia de integração das informações”. Shelley também anunciou: “No fim do mês, o presidente Jair Bolsonaro vai a Israel para assinar esse acordo que eu assinei com o governador”.

O negócio entrou na mira da oposição. De acordo com o deputado estadual Requião Filho, do PT, o governo paranaense teria contratado o mesmo programa da empresa israelense Cognyte usado pela “Abin paralela” do clã Bolsonaro. “Queremos saber se houve uso político dessa ferramenta no estado.”

O software, diz o deputado, teria sido contratado em dezembro de 2019, para uso da Secretaria de Segurança Pública. Dois anos depois, foi criada a Diretoria de Inteligência na Controladoria-Geral do Estado, órgão ligado ao gabinete do governador, com acesso à ferramenta. Requião Filho quis saber ainda os motivos que levaram a CGE a alugar um edifício no Centro de Curitiba, sem nenhuma identificação de que se trata de um órgão público. “Por que tem 120 funcionários no local? Quem utilizou esses programas? Se não houve grampo, abram os dados para sabermos quem acessou e de onde acessou” questionou o líder da oposição na Assembleia.

O diretor de Inteligência e Informações Estratégicas da Controladoria é o marroquino naturalizado brasileiro Mehdi Mouazen, que ocupa o cargo desde agosto do ano passado. Trata-se de um personagem até então enigmático na política paranaense. Mouazen é descrito como “cordial, educado e prestativo (…) com forte sotaque árabe” que se diz integrante “da família real marroquina”, mas vivia sob ameaça religiosa por ter se convertido ao cristianismo. Chegou ao Brasil em 2014 e foi morar em Brasília. Em entrevista a um canal evangélico, explicou que procurava asilo em um país onde não tivesse parentes e pudesse recebê-lo. Na companhia de um pastor “nós oramos, oramos, oramos e veio à ideia de Brasil. Foi a primeira vez que escutei Brasil. Aconteceu 48 horas antes de eu vir para cá”, descreveu. Dois anos depois, recebeu a chancela de refugiado religioso diplomático. Teria se mudado para Curitiba sob as bênçãos “de um pastor evangélico”.

O que ninguém sabe explicar, nem mesmo Ratinho Júnior, é como o marroquino foi ocupar a cadeira de diretor de Inteligência da CGE. Questionado a respeito por ocasião do lançamento da obra de uma ponte no litoral paranaense, o governador disse que “conhece Mouazen, mas não sabe quem o indicou para o cargo”. Diante de um questionamento simples – “onde o conheceu?” –  o mandatário disfarçou e não respondeu. Entre outras questões, Requião Filho insiste em saber os critérios utilizados para a contratação do diretor.

No Ministério Público do Paraná, o processo foi engavetado. De acordo com a promotora de Justiça Cláudia Martins Madalozzo, a Controladoria-Geral do Estado havia aberto uma sindicância para verificar a denúncia. Em depoimento, o diretor de inteligência do órgão afirmou “que a ferramenta não é utilizada para ações policiais, como grampos e escutas”. Por meio de nota, a CGE informou que “abriu uma sindicância interna, a pedido do governador Ratinho Júnior, para apurar os fatos envolvendo o diretor de Inteligência da CGE, Mehdi Mouazen. A investigação apontou não haver nenhuma prática irregular por parte do servidor em sua função dentro da CGE, portanto, dando por finalizado e arquivado”.

O caso está, porém, sob investigação da Polícia Federal. O deputado paranaense encaminhou ao então ministro da Justiça, Flávio Dino, um pedido de providências para apuração dos fatos. Dino, por sua vez, solicitou ao diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos Rodrigues, “providências para manter a investigação acerca da utilização de softwares em curso pela PF, unida em âmbito federal”, com denúncias sobre o suposto uso político de sistemas de inteligência contratados pela Secretaria de Segurança Pública mediante dispensa e inexigibilidade de licitação. “Agora cabe a PF apurar os indícios e fazer a investigação. Nosso trabalho é fiscalizar, trazer denúncias”, afirmou Requião Filho.

Publicado na edição n° 1296 de CartaCapital, em 07 de fevereiro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Bisbilhoteiros’

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