Política

Às vésperas da posse, STF ‘salva’ Lula de Arthur Lira

As recentes decisões sobre orçamento secreto e o Bolsa Família enfraquecem o poder de chantagem do presidente da Câmara

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Foto: Paulo Sergio/Câmara dos Deputados
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No dia 28 de novembro, o senador Humberto Costa (PT-PE) assistiu ao jogo Brasil e Suíça pela Copa do Mundo, em 28 de novembro com outros membros do governo de transição. No intervalo da partida, queixou-se de que o time lulista errara ao rejeitar o caminho judicial para viabilizar o valor de 600 reais de Bolsa Família em 2023. Lembrou que já tramitavam no Supremo Tribunal Federal ações que pleiteavam os gastos sociais fora do teto. Se a Corte decidisse a favor de uma dessas ações, Lula não estaria refém do Congresso para viabilizar a promessa de campanha.

Dez dias depois da queixa, o Senado aprovou uma mudança na Constituição que permitia ao presidente eleito passar por cima do teto de gastos em nome do Bolsa Família. A proposta empacou depois na Câmara, por obras do chefe da Casa, Arthur Lira (PP-AL). O deputado quis aproveitar a necessidade de Lula para, em troca, arrancar boquinhas no novo governo para o seu “centrão”– e forçar o petista a impedir, de algum modo, o Supremo de acabar com o ‘orçamento secreto’. 

Deu tudo errado para Lira – e tudo certo para Lula. Entre o deputado e o presidente eleito, a Corte tomou em menos de 24 horas duas decisões que facilitaram a vida de Lula e o ajudaram a não ficar refém do petista. Uma delas, justamente sobre o famigerado orçamento secreto, talvez a principal fonte de poder de Lira. Decisões nas quais se destacaram, em particular, a presidente do STF, Rosa Weber, e os juízes Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

Uma das decisões foi na linha do que Humberto Costa defendia. Na noite deste domingo 18, Mendes assinou uma liminar que exclui o Bolsa Família do teto de gastos no ano que vem – e que autorizou o futuro presidente a separar no orçamento recursos para bancar o valor de 600 reais. Separar na forma de “crédito extraordinário”, o que pode vir a ser feito através de uma medida provisória logo após Lula tomar posse, dia 1º de janeiro.

Detalhe: horas antes da liminar, Lula e Lira haviam se reunido no hotel em que o petista tem usado como uma espécie de escritório político em Brasília antes de assumir a Presidência.

A liminar surgiu em uma ação levada ao tribunal em abril de 2020. Essa ação, um mandado de injunção, tinha sido movida pela Defensoria Pública em nome de um morador de rua do Rio Grande do Sul, Alexandre da Silva Portuguez. O mandado procurava obrigar o Estado brasileiro a tirar do papel uma lei de renda básica para a população. Nessa ação, o partido Rede, aliado de Lula na eleição, requereu nos últimos dias uma liminar sobre o Bolsa Família. E Mendes deu.

“O STF acaba de decidir que a miséria humana não pode ser objeto de chantagem. Excluir do teto de gastos recursos para custear benefícios sociais da erradicação da pobreza prometidos pelo presidente Lula foi uma grande decisão do ministro Gilmar Mendes”, tuitou às 23h06 do domingo 18 o senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Calheiros é protagonista desse enredo. Trata-se de um inimigo de Lira na política alagoana. Dá-se muito bem com o juiz Mendes. Na eleição para governador de Alagoas este ano, Calheiros e Lira travaram uma disputa política e nos tribunais. Em um dos capítulos, o grupo de Lira tinha tentado anular a eleição indireta (na Assembleia Legislativa), em maio, de Paulo Dantas, aliado de Calheiros. Coube a Mendes decidir sobre o caso no STF. Ele validou a eleição indireta, uma derrota de Lira. Em outubro, Dantas foi reeleito (desta vez venceu no voto popular), apesar de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tê-lo afastado do cargo entre o primeiro e o segundo turno.  Mendes e Luís Roberto Barroso, outro togado do STF, devolveram Dantas ao cargo, via liminares.

No dia da diplomação de Lula no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 12 de dezembro, Calheiros estava animado com as perspectivas para o julgamento do “orçamento secreto”. “O Supremo tem de acabar com isso”, disse ele a CartaCapital. Dito e feito: nesta segunda-feira 19, o tribunal enterrou essa “excrescência”, palavra usada por Lula na campanha para descrever o malabarismo orçamentário que, no governo Jair Bolsonaro, deu super poderes ao Congresso, em especial aos comandantes da Câmara e do Senado.  

O julgamento foi adiante graças à presidente da corte. Rosa Weber assumiu o comando do STF em setembro e tinha feito questão de manter sob seus cuidados quatro ações que contestavam o orçamento secreto. É costume que um ministro, ao chegar à Presidência do tribunal, distribua aos colegas processos dos quais ele cuidava. 

No fim de 2021, Rosa já tinha mostrado, de forma dura, que era contra o orçamento secreto, ao baixar uma liminar que o proibia. Voltaria atrás dias depois. Alguns outros togados pareciam achar que era muita intervenção em outro poder. O recuo não havia significado, contudo, que a magistrada mudou de posição na posição. Ele retomou a ofensiva contra o orçamento secreto após a vitória de Lula nas urnas, ao marcar o julgamento das quatro ações no plenário. 

Curioso: Rosa, recorde-se, tinha tido há dez anos, no julgamento do dito “mensalão”, o então juiz Sérgio Moro como auxiliar. Em 2018, ela tinha votado contra um habeas corpus que manteria Lula solto e sem cumprir a pena de 9 anos no caso do triplex do Guarujá – prisão que havia sido decretada por Moro. A prisão praticamente tirou Lula da eleição presidencial de 2018 (o TSE sepultaria a candidatura formalmente dali a quatro meses).

No julgamento do “orçamento secreto”, iniciado dia 7 de dezembro, o voto decisivo para enterrá-lo coube a Ricardo Lewandowski. Este havia evitado uma decisão na quinta-feira 15, ao pedir para que ele e a corte pudessem examinar uma norma que o Congresso preparava naquele dia sobre o “orçamento secreto”. Os parlamentares pretendiam mostrar ao STF que adotariam regras capazes de deixar esse orçamento mais “transparente”. 

O adiamento suscitado por Lewandowski havia deixado no ar como ele, afinal, votaria. Alguns auxiliares acreditavam que o ministro seguiria Rosa Weber, como uma espécie de homenagem à colega. Era, porém, uma aposta anterior à iniciativa dele que postergara a decisão.  No fim, Lewandowski de fato seguiu Rosa  e garantiu o sexto voto mínimo necessário à decretação da morte da fonte de poder de Arthur Lira.

Lira havia feito chantagem explícita com o Supremo no caso do “orçamento secreto”. Um aliado fiel dele, o deputado Elmar Nascimento (UB-BA), tinha dito no meio da eleição, em entrevista ao Estadão: “E quem faz o orçamento do STF? Vai tirar o orçamento da gente e a gente vai deixar? Se tirar o nosso, a gente tira o deles”.

Nascimento foi quem Lira escalou para ser o relator da proposta que autorizaria Lula a pagar 600 reais de Bolsa Família em 2023, passando por cima do teto de gastos. 

“Queremos a PEC do Bolsa Família, ela é importante porque traz outras soluções e privilegia a política, o parlamento, para a saída dos problemas. Mas se a Câmara não der conta de votar, a decisão do ministro Gilmar, que retira o Bolsa Família do teto de gastos, não deixará o povo pobre na mão”, tuitou a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, após a liminar do togado.

No início do julgamento do “orçamento secreto” nesta segunda-feira 19, Mendes, o decano do Supremo, homenageou Rosa Weber, que no mesmo dia completou 11 anos na corte. Ela se aposentará por idade no ano que vem (até outubro, quando fará 75 anos). Lewandowski também irá pendurar a toga no ano que vem (faz 75 anos em maio). Caberá a Lula indicar o substituto dos dois. 

Será que, pelos serviços da dupla às vésperas da posse do futuro presidente, o petista ouvirá os dois juízes para decidir quem nomeará para a vaga deles?

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