Justiça

Artistas repudiam uso de paródias em campanhas eleitorais sem permissão prévia

Cantores como Roberto Carlos, Gilberto Gil e Rita Lee divulgaram abaixo-assinado sobre ação judicial que trata de propaganda do deputado federal Tiririca (PL-SP) em 2014

Campanha eleitoral de Tiririca (PL-SP) usou paródia de música de Roberto Carlos. Foto: Reprodução
Apoie Siga-nos no

Mais de 350 cantores e compositores divulgaram um manifesto em que repudiam o uso de paródias de suas músicas em trilhas sonoras de campanhas eleitorais sem autorização prévia. O documento foi publicado nesta segunda-feira 7 e tem assinaturas de artistas como Gilberto Gil, Zeca Pagodinho, Rita Lee e Adriana Calcanhotto.

O texto se refere a um julgamento que deve ocorrer na quarta-feira 9 no Superior Tribunal de Justiça. A Corte vai analisar uma ação movida pela gravadora Sony Music em 2014 contra o então candidato a deputado federal Tiririca e a legenda à qual ele era filiado, o Partido da República (PR), que hoje se chama Partido Liberal (PL).

Na ocasião, Tiririca, que segue como deputado federal por São Paulo, imitava o cantor Roberto Carlos em uma propaganda eleitoral e cantava uma paródia de O Portão, uma canção de 1974. No lugar da letra original, a peça veiculava o refrão “Eu votei, de novo vou votar, Tiririca, Brasília é o seu lugar”.

Os autores da representação ganharam a causa na 21ª Vara Cível de São Paulo e na 20ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Por conta de um recurso de Tiririca e do PR, o caso foi levado à 3ª Turma do STJ em 2019, onde o uso da música na propaganda foi autorizado.

Após um recurso da Sony, agora os dez ministros do STJ vão examinar o imbróglio.

No abaixo-assinado, os artistas criticam a possibilidade de que suas músicas sejam veiculadas em propagandas de candidatos que defendem ideologias das quais os criadores da obra discordam. As paródias seriam, portanto, instrumentos ilegítimos para impulsionar essas campanhas.

“Além de atingir os direitos morais dos criadores, que ficarão privados de fazerem suas livres escolhas políticas ou ideológicas, servirá para distorcer o processo eleitoral e enganar os eleitores, com graves reflexos na democracia brasileira”, argumentam.

Confira o manifesto na íntegra

MANIFESTO DA CLASSE ARTÍSTICA ACERCA DO USO DE PARÓDIAS EM  CAMPANHAS POLÍTICAS 

Os compositores e artistas que abaixo assinam vêm tornar pública sua extrema  preocupação com o julgamento do ERESP 1.810.440, em curso no Superior Tribunal  de Justiça, que irá julgar, no dia 09/02/2022, se o uso alterado de canções em  programas políticos deve ser considerado uma paródia e isento de autorização e  pagamento de direitos autorais. 

A decisão se dará em processo judicial onde se discute se foi regular o material de  campanha político do candidato Tiririca, que se apropriou da famosa música “O  Portão”, de autoria de Roberto e Erasmo Carlos, para produzir o seguinte refrão: Eu  votei, de novo vou votar, Tiririca, Brasília é o seu lugar

Até hoje nunca houve dúvida de que o uso de obras musicais com finalidades  políticas, mesmo que modificadas letras e/ou melodias, sempre dependeu de  autorização prévia do titular de direitos autorais. Ou seja, jamais cogitou-se enquadrar como paródia. Entretanto, para surpresa da classe artística, esse entendimento  histórico poderá ser modificado e admitir os usos indiscriminados das obras musicais  

com fins eleitorais, usurpando a gestão dos autores sobre suas criações. A paródia está prevista na lei de direitos autorais, a fim de preservar a liberdade de  expressão, assegurar a livre opinião, a crítica, a sátira, o humor, a diversão, a arte,  enfim, permitir a livre manifestação desde que não venha gerar prejuízo ou descrédito ao criador e sua obra. É uma exceção, de caráter efêmero, que deve ser interpretada sempre associada à circulação das ideias, conforme concebeu o legislador. No caso de prevalecer o entendimento desfavorável aos criadores haverá irreparável  lesão aos direitos pessoais e às opções ideológicas, em razão da interferência nos direitos inalienáveis dos autores, que terão suas criações artísticas – verdadeira extensão de suas identidades – atreladas a valores, opções, ideologias ou governos eventualmente contrárias às suas convicções. Um verdadeiro risco à integridade do  sistema de proteção aos direitos autorais. 

O uso de paródias de obras musicais em campanhas eleitorais, sem autorização  prévia, será um ilegítimo passaporte para alavancar candidaturas e interesses político partidários. Além de atingir os direitos morais dos criadores, que ficarão privados de  fazerem suas livres escolhas políticas ou ideológicas, servirá para distorcer o processo eleitoral e enganar os eleitores, com graves reflexos na democracia brasileira. As consequências são seríssimas e a questão reclama a imediata mobilização de  toda classe artística e da sociedade civil, no sentido de rogar ao STJ, que julgue na preservação dos direitos autorais dos criadores e na defesa de eleições rígidas e transparentes!

PL defende ‘liberdade de expressão’

CartaCapital procurou a assessoria do deputado Tiririca, mas não obteve resposta. O espaço segue disponível para atualizações. Em posicionamento à reportagem, o Partido Liberal disse que a Sony questiona o STJ com base em outra decisão da Corte, mas, para a legenda, os casos são “absolutamente diversos”.

A sigla disse esperar que o julgamento confirme decisão favorável ao uso da paródia.

Veja nota na íntegra:

Na eleição de 2014 o PL exibiu na propaganda eleitoral gratuita uma sátira da propaganda da Friboi, onde o candidato a deputado federal Tiririca imitava o cantor Roberto Carlos.

A EMI/Sony, detentora da música “O Portão”, ajuizou uma ação judicial reivindicando o pagamento de direitos autorais pelo uso da obra, cuja letra foi totalmente alterada.

O caso já foi julgado em 2020 pelo Superior Tribunal de Justiça que, por unanimidade, entendeu que paródias, ainda que utilizadas em propaganda eleitoral, devem ser livres e independem de autorização do autor, concluindo que não há qualquer valor a se indenizar.

Contra esta decisão a EMI/Sony opôs embargos de declaração que foram rejeitados. Insistindo, mais uma vez, interpôs novo recurso, chamado de Embargos de Divergência, que será julgado nesta semana.

Nele se alega que a decisão proferida divergiria de outra do próprio STJ. Entretanto, trata-se de casos absolutamente diversos.

Confiamos, portanto, que a decisão será confirmada novamente pelo próprio Tribunal, garantindo-se assim a liberdade de expressão prevista na Constituição Federal.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo