Política

Araújo isolou o Brasil e só conta com o apoio de olavistas e da extremíssima direita, diz Celso Amorim

Na corda bamba, o chanceler acompanhou Bolsonaro em uma tensa reunião da cúpula do Mercosul

Ernesto Araújo, Jair Bolsonaro e Paulo Guedes na reunião de trinta anos do Mercosul. Foto: Marcos Corrêa/PR
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No encontro virtual em comemoração aos trinta anos do Mercosul, o presidente Jair Bolsonaro, ladeado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelo pressionado chanceler Ernesto Araújo, apostou nesta sexta-feira 26 em um breve discurso a favor do que chamou de “modernização” do bloco e de uma mudança nas regras tarifárias.

O presidente brasileiro, entretanto, deixou o evento antes do final e não acompanhou outros pontos relevantes, como a discussão entre os mandatários uruguaio e argentino. Esse momento de tensão se deu já na reta final da reunião.

Luís Lacalle Pou, do Uruguai, disse que o Mercosul não pode ser uma “carga” ou um “espartilho” para os países integrantes. A resposta de Alberto Fernández, da Argentina, foi: “Se a carga é muito pesada, o mais fácil é descer do barco”.

“Vamos acabar com essas ideias que ajudam tão pouco a unidade. Não queremos ser fardo para ninguém, se somos fardo, que peguem outro barco”, completou o argentino. Ele reagiu às tentativas de revisar a tarifa alfandegária comum e “flexibilizar” uma normativa do bloco para poder negociar acordos com outros países sem pedir a autorização dos demais membros, o que Uruguai e Paraguai defendem há mais de uma década.

Fernández disse não acreditar que “a redução linear da tarifa externa seja o melhor instrumento”. Ele propôs “preservar o equilíbrio entre os setores agrícola e industrial, com justiça social, em um contexto de absoluta incerteza global”.

Bolsonaro, no entanto, optou pelo caminho oposto. “O Brasil quer contar com o apoio para continuar ampliando a rede de negociações comerciais internacionais, com as atualizações da tarifa externa. Precisamos atrair investimentos. Superar com urgência os grandes danos causados pela pandemia”, declarou.

Pelo lado brasileiro, o encontro da cúpula do Mercosul se dá em um contexto de clamor pela demissão do ministro das Relações Exteriores. O bolsonarista Ernesto Araújo tenta se manter no cargo, mas é alvo de duras críticas de vários setores.

Nesta sexta, a Frente Nacional de Prefeitos se manifestou a favor da saída do chanceler, que “já apresentou um leque diverso de trapalhadas e atitudes destrutivas”. Para a FNP, a política externa sob Bolsonaro e Araújo é “desastrosa”.

Na quinta e na sexta-feira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), também criticou a condução da política externa brasileira e afirmou que ela “precisa ser aprimorada”. O tom da gestão Araújo, para Pacheco, é a falta de diplomacia.

O chanceler já havia sido alvo de fortes cobranças do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), durante reunião no Palácio do Alvorada na quarta-feira 24, mesmo dia em que Araújo compareceu a uma sessão no Senado para tentar explicar as ações do Itamaraty para viabilizar a compra de vacinas.

Para Celso Amorim, que ocupou o posto de chanceler nos governos do ex-presidente Lula, o Brasil sob Bolsonaro e Araújo operou “um milagre”: o de se isolar.

“O Brasil, que tem dez vizinhos, não tem diálogo com ninguém, nem com os países de direita. Quando o Iván Duque, da Colômbia, fez uma reunião sobre cooperação em relação à pandemia, ele convidou o Uruguai e o Chile. Não convidou o Brasil, porque o Brasil é tóxico”, afirmou o ex-chanceler em contato com CartaCapital.

Para Amorim, a saída de Araújo, por si só, não resolveria todos os problemas da política externa brasileira, mas seria simbólica. “Em geral, quando você tira um ministro, está indicando alguma mudança de rumo. Eu não espero coisas boas, mas pelo menos um pragmatismo nas relações externas ou menos presença de uma ideologia enlouquecida”.

O ex-ministro, entretanto, aventa a possibilidade de que Bolsonaro retire Araújo do cargo mas o substitua por uma figura que seguirá “as mesmas ideias defendidas pela família e pelo Olavo [de Carvalho]”. Ele também destaca que a troca seria um alívio para os diplomatas e poderia resultar em alguma evolução na relação com a China, a fim de “evitar danos ainda maiores”.

Para ele, neste momento só resta a Araújo “o apoio de olavistas e da extremíssima direita”.

“Não conheço país nenhum do mundo em que o chanceler é atacado simultaneamente por todos. E a grande maioria de ataques vem de base do governo. Ele não tem confiança alguma”, emendou, completando com um desabafo: “Nunca pensei que o Brasil seria uma ameaça para o mundo”.

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