Justiça

Aras, o procurador-geral, sai em socorro de Lira, o enrolado

E o deputado aprova trem da alegria proposto pelo “xerife” e defende mantê-lo no cargo

Augusto Aras e Arthur Lira em encontro na sede da PGR, em janeiro (Foto: Leonardo Prado/SECOM/MPF)
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O procurador-geral da República, Augusto Aras, não tinha apetite para investigar o então presidente Jair Bolsonaro, responsável por sua nomeação em 2019. O “xerife” é o único autorizado a processar o presidente e os parlamentares por crime comum. A exemplo do capitão, o deputado Arthur Lira (PP-AL), comandante da Câmara, tem muita a agradecer a Aras, sobretudo este ano. E agradece.

Nos últimos dois meses, a Procuradoria tomou decisões que socorreram Lira em situações difíceis perante a Justiça e a polícia. Nesse período, o deputado defendeu que Aras siga no cargo após o fim do mandato, em setembro, e comandou a aprovação, a toque de caixa, de uma lei proposta pelo procurador-geral para instituir um trem da alegria no Ministério Público da União.

Uma das boias jogadas por Aras a Lira foi naquele que hoje é o grande tormento do deputado: a investigação sobre a compra superfaturada de kits de robótica para escolas públicas de Alagoas com verba federal providenciada por parlamentares. O procurador-geral invocou, no Supremo Tribunal Federal, a intenção de controlar a investigação. O juiz Luis Roberto Barroso, do STF, aceitou. Sua decisão é da quarta-feira 21.

A entrada de Aras em cena deixa no ar uma dúvida: as provas reunidas pela Polícia Federal na Operação Hefesto serão anuladas? É o sonho de Lira. A investigação atinge gente bem perto do deputado: um antigo assessor (Luciano Ferreira Cavalcante), um colaborador de campanha (o policial Murilo Sergio Jucá Nogueira Jr) e uma família de políticos aliados (os Catunda).

O procurador-geral surgiu na história graças a uma reclamação levada ao Supremo em 8 de junho pelo deputado Gilvan Máximo (Republicanos-DF). Embora não fosse alvo da PF, ele sustentava que seu nome surgiu nos preparativos da operação, daí que o caso não poderia ter ficado com um juiz de 1a instância de Alagoas, como ocorreu. Seria da alçada do STF, pois é deputado e tem foro especial. 

Máximo pedia uma liminar ao Supremo para anular todas as provas obtidas pela PF. Se não era alvo, por que ele agiu? Resposta: Lira. 

Se a reclamação fosse examinada por um togado bolsonarista, como Nunes Marques ou André Mendonça, este poderia conceder a liminar. O cálculo deu errado. A reclamação caiu com Barroso, um linha-dura. Sorte de Lira que Aras é o procurador-geral. Este informou ao Supremo que reinvindicaria para si a investigação. Barroso aceitou e arquivou a reclamação. Agora, o futuro da Hefesto, e da turma de Lira, depende de Aras.

Na véspera da decisão de Barroso, Lira tinha comandado a aprovação na Câmara, a toque de caixa, de uma lei proposta pelo procurador-geral. A lei transforma 560 cargos efetivos do Ministério Público da União em cargos de confiança. Significa que o MPU pode preenchê-los com quem quiser, não necessariamente com pessoas aprovadas em concurso público. Uma farra.

O projeto tinha sido enviado à Câmara em 8 de maio. O maranhense André Fufuca, líder do PP, o partido Lira, propôs que fosse votado com urgência, ou seja, diretamente no plenário, sem a necessidade de passar por comissões. Foi o que aconteceu na terça-feira 20.

Não foi o único caso do tipo “uma mão lava a outra” entre Lira e Aras nos últimos meses.

Em 30 de abril, Lira deu entrevista ao jornal O Globo e, entre um ataque e outro ao governo, defendeu manter o procurador-geral após o fim do mandato. “Aras mudou o ritmo e o nível do Ministério Público e muitas vezes é mal entendido. Por mim, é renovado no cargo”, disse.

Três semanas antes, a vice-procuradora-geral, Lindôra Araújo, pessoa da confiança de Aras, tinha informado ao Supremo que a Procuradoria desistia de processar Lira em uma certa acusação. Por esta acusação, de 2018, o alagoano seria o destinatário de 106 mil reais pegos com um assessor dele em um aeroporto seis anos antes. Dada a desistência, o Supremo arquivou o processo em 6 de junho. 

A acusação abandonada dizia que os 106 mil tinham sido dados em 2012 a um assessor de Lira, Jaymerson José Gomes de Amorim, pelo então presidente da CBTU, Francisco Carlos Caballero Colombo. A CBTU é uma estatal federal de trens. Colombo teria pagado o suborno a Lira em troca de ajuda para seguir no posto. O deputado era líder do PP. 

Em Alagoas, a CBTU é dirigida há anos por Carlos Jorge Ferreira Cavalcante, irmão de Luciano Cavalcante, o assessor de Lira metido no rolo robótico. A PF tem provas de que o motorista de Luciano recebeu cash em um hotel em Brasília.

Uma prima de Lira, Orleanes Paes Angelo, é gerente da CBTU alagoana. Ela e Carlos Jorge assinaram um contrato de 1 milhão de reais por ano em 2020, renovado duas vezes, com uma firma fornecedora de funcionários terceirizados, a Reluzir, conforme o Estadão. O dono da firma é o policial do rolo robótico, Murilo Jr. Este emprestou uma Hilux à campanha de Lira em 2022. A picape foi vista este ano pela PF a levar grana do esquema com kits de robótica.

Aras irá mandar essa descoberta da PF para o lixo?

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