Justiça
‘Abin paralela’: decisões indicam desalinho entre Moraes e PGR e data imprecisa de prova
Há divergências sobre quem, afinal, enviou a mensagem a Ramagem em nome de Carlos Bolsonaro – e se, na data, ele ainda era chefe da Abin
Os documentos oficiais que chancelaram a operação da Polícia Federal contra o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), na segunda-feira 29, contêm algumas imprecisões. Há também uma falta de sintonia entre as conclusões do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, responsável por autorizar as diligências, e da Procuradoria-Geral da República.
A ação da PF ocorreu no âmbito da investigação sobre um suposto esquema de monitoramento ilegal na Agência Brasileira de Inteligência, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e na época em que o diretor-geral do órgão era Alexandre Ramagem, hoje deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro.
A PF sustenta que a investigação diz respeito ao funcionamento da Abin entre 2019 e 2021. Ramagem, por sua vez, foi o chefe da agência entre julho de 2019 e março de 2022, quando deixou o posto para se candidatar à Câmara.
Carlos Bolsonaro, o filho 02 do ex-presidente, é retratado como integrante do chamado “núcleo político” do suposto esquema. Segundo a decisão, esse núcleo “também é responsável pelo desvirtuamento da Abin e da ferramente First Mile”, o software pelo qual os envolvidos conseguiriam monitorar desafetos do governo Bolsonaro e autoridades, sem aval judicial.
No despacho em que autorizou a operação de segunda-feira, Moraes menciona um pedido que teria sido apresentado por Luciana Almeida, assessora do vereador, a Alexandre Ramagem, “através de Priscilla Pereira e Silva”.
Na mensagem, Almeida afirma precisar “muito de uma ajuda” sobre investigações contra Jair Bolsonaro e familiares. Diz o texto:
“Delegada PF. Dra. ISABELA MUNIZ FERREIRA –
Delegacia da PF Inquéritos Especiais
Inquéritos: 73.630 / 73.637 (Envolvendo PR e 3 filhos)
Escrivão: Henry Basílio Moura”
A decisão de Moraes não menciona quando a mensagem foi enviada. Há, no entanto, um print no qual é possível ver uma data: terça-feira 11 de outubro.
Aqui, há a primeira imprecisão. Durante o governo Bolsonaro, o único ano em que 11 de outubro caiu em uma terça-feira é 2022. Naquele momento, portanto, Ramagem não era mais o diretor da Abin e já havia, inclusive, sido eleito deputado federal.
Há também uma sensível diferença de interpretação entre Moraes e o procurador-geral da República, Paulo Gonet, sobre o próprio envio da mensagem, descoberta pela PF em um aparelho apreendido com Ramagem.
A PGR entendeu, ao contrário do ministro, que a assessora de Carlos Bolsonaro solicitou diretamente a Ramagem uma “ajuda” relacionada a inquéritos. Na peça do Ministério Público Federal, contudo, o então deputado eleito ainda é tratado como “então diretor-geral da Abin”.
A partir de sua compreensão sobre o diálogo, a Procuradoria chancelou a operação da PF contra Luciana e Carlos, mas não contra Priscilla Pereira e Silva. Esta, segundo o órgão, “apenas tem o seu contato compartilhado com interlocutor do Dr. Ramagem”.
A ausência de detalhes sobre a mensagem abre margem a interpretações. Já se sabe, por exemplo, que a PF investiga se Ramagem continuou a receber informações da Abin mesmo após deixar o cargo. A atual cúpula apura, inclusive, por que um laptop e um celular da agência estavam com o deputado federal quando ele foi alvo de uma operação, na semana passada.
A decisão de Moraes e o parecer da PGR sobre a ação desta segunda não informam que Ramagem já havia se desligado da Abin quando a mensagem foi enviada.
Após anexar um registro do diálogo em seu despacho, Moraes escreveu que “os elementos de prova colhidos até o momento indicam, de maneira significativa, que a organização criminosa infiltrada na Abin também se valeu de métodos ilegais para a realização de ações clandestinas direcionadas contra pessoas ideologicamente qualificadas como opositoras”, além de “”fiscalizar’ indevidamente o andamento de investigações em face de aliados políticos”.
No relatório enviado a Moraes, a PF anotou que os inquéritos mencionados “não apresentam pertinência com os referidos Pr e 3 filhos”. Entretanto, prossegue a corporação, “fontes abertas indicam que no período existiam investigações em andamento no interesse dos sujeitos razão pela qual provavelmente a fonte não obteve os números dos procedimentos corretos”.
As representações da PF no caso permanecem sob sigilo – ou seja, as informações às quais é possível ter acesso se limitam àquelas compartilhadas por Moraes. Por isso, não se sabe se o ministro já têm indícios confiáveis de que Ramagem teria envolvimento ilegal com a Abin mesmo depois de sua exoneração ou se houve alguma imperícia no material colhido pela polícia e no qual a operação se baseou.
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