Política
A ‘boiada’ versão 2023 e a necessidade de combater o lobby do agro, segundo Rubens Ricupero
‘O governo terá de arregimentar o que pode e será preciso uma mobilização da sociedade civil’, diz o ex-ministro do Meio Ambiente a CartaCapital


As recentes derrotas impostas pela Câmara à agenda ambiental refletem a atual composição do Congresso, demonstram a influência do setor mais atrasado do agronegócio e só podem ser combatidas com a mobilização da sociedade civil.
A avaliação é de Rubens Ricupero, diplomata, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente sob o governo de Itamar Franco e ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento. Ricupero falou a CartaCapital por telefone.
Em um intervalo de poucas horas na quarta-feira 24, os deputados permitiram “passar a boiada” em três frentes:
- O avanço em uma comissão especial do relatório da MP de reestruturação dos ministérios que enfraquece o Meio Ambiente, de Marina Silva, e os Povos Indígenas, de Sônia Guajajara;
- a aprovação de um requerimento de urgência para o projeto de lei que dificulta a demarcação de terras indígenas;
- a aprovação de uma proposta que fragiliza regras de proteção na Mata Atlântica. O presidente Lula (PT) pode vetá-la.
“Quem está por trás disso é o agro, o agro mais retrógrado. No Brasil se costuma dizer que há um agro progressista… Pode ser, mas ele não aparece”, ressaltou Ricupero. “Quem faz lobby no Congresso, quem apresenta leis, quem exerce esse poder de rolo compressor é o setor retrógrado. E ele é muito forte.”
O ex-ministro reforçou que as eleições de 2022 marcaram uma mudança significativa no Executivo, com a vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro (PL), mas o Congresso não mudou – ao menos, não para melhor.
“A legislação eleitoral permite essa distorção. Os postos de deputados e senadores são capturados por interesses organizados e não refletem a posição da opinião publica”, avalia Ricupero. “Todas as pesquisas de opinião mostram uma maioria esmagadora em favor da defesa da Amazônia. Mas os deputados e senadores não refletem isso, porque são eleitos por essas facilidades de uma lei eleitoral que favorece quem já está no poder.”
Aquele negócio de ‘passar a boiada’ do Ricardo Salles agora está passando com o apoio dessa maioria que tem na Câmara
A gestão Lula vive um impasse diretamente ligado à distorção de um país que elegeu um presidente de esquerda ao mesmo tempo em que formou o Parlamento mais direitista de que se tem memória. E, a exemplo do que mostrou a MP da reforma ministerial, deputados e senadores podem aplicar golpes de morte contra as políticas projetadas por Marina e Guajajara.
“O governo terá de arregimentar o que pode e inclusive vai ser preciso uma mobilização da sociedade civil”, resume Rubens Ricupero. “Vão ter de se mobilizar todos os setores, inclusive esses setores do agro que dizem que existe – eu nunca vi – que são os mais esclarecidos. E vai haver uma luta constante, porque o perigo não é apenas essa estrutura do Ministério do Meio Ambiente. Há muita coisa sendo travada e projetos de lei que representam retrocessos ambientais.”
As mudanças práticas no longo prazo, diz o diplomata, passam por compreender que o Congresso tem servido aos interesses dos ruralistas. “E aí é preciso fazer uma pressão sobre esse setor, inclusive fazendo ver o perigo de que haja sanções às exportações brasileiras, como a lei europeia já torna possível.”
“Temos essa situação por uma razão muito clara: A única forma é agir sobre as causas desse problema, e as causas têm um nome muito claro: o lobby ruralista no Congresso.”
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