Política

Walter Feldman sobre a Rede: “saímos destruídos, mas continuamos vivos”

Rede Sustentabilidade, partido de Marina Silva, se reúne neste fim de semana para planejar futuro da legenda

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Partido de Marina Silva, ex-ministra derrotada nas eleições deste ano, a Rede Sustentabilidade começa neste domingo 23 a se articular para emergir na política brasileira. Membros da legenda, incluindo a ex-senadora, devem se encontrar em Brasília para decidir as ações do partido a partir de 2015. É que a legenda depende de apenas 32 mil assinaturas para conseguir entrar com o pedido de registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A expectativa é que a Rede seja declarada oficialmente um partido até julho de 2015. Enquanto isso, o grupo político se recupera do “massacre” que foi a campanha presidencial.

“(Nossa situação) É semelhante à polonesa no fim da Segunda Guerra Mundial. Ser destruído, massacrado e a nação continuar viva. (A campanha) foi muito difícil, né. Desproporcional. Com características que foram estranhas, e diferentes em relação a outras campanhas. Houve todo um processo de desconstrução da candidatura da Marina. Com pouco tempo de reação, pouco tempo de televisão. Então na nossa opinião, com todo esse quadro, saímos vivos, respeitados, mantivemos os princípios e valores e a forma como achamos que deve se fazer campanha”, afirma o ex-deputado tucano Walter Feldman, que se tornou o braço direito de Marina Silva durante a corrida eleitoral.

Em entrevista a CartaCapital, Feldman falou sobre as perspectivas de atuação da Rede no Congresso, a partir do registro no TSE. De acordo com ele, a legenda “não nasceu” para integrar a base aliada, mas também garante que não fará oposição com o jeito do PSDB. “Não vejo nenhuma possibilidade de ser base aliada. A Rede não nasceu com essa perspectiva”, explica antes de complementar. “Nós não pretendemos ocupar o espaço da oposição que é um espaço mais construído a partir da ação do PSDB. A Rede quer vir para o cenário político tendo posição em relação às questões de interesse nacional”.

O ex-deputado também comentou sobre as disputas internas do partido, que teve uma crise antes mesmo de nascer. Isso porque a legenda apoiou a candidatura de Aécio Neves (PSDB) contra Dilma Rousseff no segundo turno, assim como Marina Silva, e provocou crítica de alguns integrantes do grupo político. De acordo com Feldman, a ala que discordava da aproximação com o tucano deixou a legenda.

“Os que esses que mais achavam (errado apoiar Aécio Neves) saíram da Rede. Alguns que consideraram que a Rede e Marina se equivocaram estarão dentro do partido para ajudar nesse debate. Acho que faz parte. A Rede ainda é um partido em formação. Então o seu real posicionamento ainda pode ser discutido”, admite.

Leia a entrevista com Walter Feldman:

CartaCapital: Qual o balanço que o senhor faz do processo eleitoral, da derrota da Marina Silva e da participação da Rede Sustentabilidade?

Walter Feldman: [Nossa situação] É semelhante à polonesa no fim da Segunda Guerra Mundial. Ser destruído, massacrado e a nação continuar viva. [A campanha] foi muito difícil, né. Desproporcional. Com características que foram estranhas, e diferentes em relação a outras campanhas. Houve todo um processo de desconstrução da candidatura da Marina. Com pouco tempo de reação, pouco tempo de televisão. Então na nossa opinião, com todo esse quadro, saímos vivos, respeitados, mantivemos os princípios e valores e a forma como achamos que deve se fazer campanha.

CC: A Marina Silva só teve, em 2014, dois milhões de votos a mais do que na eleição de 2010. Enquanto que era esperado que ela fosse melhor desta vez. Por que isso? A figura política de Marina está em decadência?

WF: Pelo contrário, a presidenta Dilma foi candidata quatro anos. Quem está no governo é candidato desde o primeiro dia do mandato. O PSDB é um partido já histórico nas disputas e tinha seu candidato consolidado no mínimo um ano e meio antes. A Marina foi candidata em alguns dias. Então é natural que seja um processo complexo. No quadro dado, tivemos uma boa performance a Marina é fundamental no processo político brasileiro agora também no cenário pós-eleitoral.

CC: Alguns analistas políticos apostavam que Marina Silva havia perdido seu capital político por ter ficado alguns anos sem partido e sem atuação entre 2010 e 2014. Você tem conversado com ela sobre os próximos anos?

WF: O caminho é a Rede. Nós saímos dessa eleição convencidos que a Rede é um partido que se faz necessário. Um partido que coloque questões éticas e de sustentabilidade. A reforma política é uma questão central no programa e no organograma das grandes questões brasileiras. A tese da sustentabilidade é a tese da modernidade. A grande bandeira hoje no mundo é a sustentabilidade. E na nossa avaliação nenhum partido político absorveu essa tese até agora. A Rede tem essa função. Com a Rede, a Marina vai ter um papel destacadíssimo no cenário brasileiro nessa questão. Você veja, o grande encontro dos últimos anos foi a China e os Estados Unidos finalmente decidindo intervir na questão das mudanças climáticas. Qual foi o pronunciamento do Brasil em relação a isso? Praticamente nenhum porque o Brasil está sem algo institucional estruturado de qualidade na questão da sustentabilidade.

CC: O que o senhor coloca como prioridade para ser discutido na reunião da Rede Sustentabilidade neste fim de semana? É possível falar na candidatura de Marina para 2018?

WF: É muito cedo ainda. O que nós temos que ver agora é se conserta o Brasil. O Brasil está com problemas sérios na área econômica e política. E temos muito medo que isso extrapole para a área social. Não tem sentido no pós-eleitoral começar um debate já eleitoral. É o momento de ajustar o Brasil. Aqueles que saíram vitoriosos e derrotados nesse processo têm protagonismo e deverão fazê-lo.

CC: Sobre o apoio ao Aécio Neves no segundo turno das eleições: essa posição causou uma crise interna na Rede. Uma ala mais à esquerda criticou. Como é que o partido espera lidar com correntes internas tão opostas em algumas questões? Isso não pode prejudicar o partido no Congresso?

WF: Primeiro: a Rede não entra nesse debate de direita e esquerda. Achamos que esse debate está superado. É um debate no qual a democracia está sequestrada, não é um bom caminho. Nós queremos encerrar com esse processo. Hoje a luta é entre os democratas e não-democratas, entre os ‘sustentabilistas’ e ‘não-sustentabilistas’. Não é entre direita e esquerda. Até porque muitas vezes direita e esquerda têm posições autoritárias que se aproximam. E esse pessoal que foi crítico ao Aécio, uma parte saiu da Rede, o pessoal que não saiu vai nos ajudar a fazer análise crítica e autocrítica para ver como a gente consegue modular uma posição na Rede que seja mais adequada ao atual momento. Esses que mais achavam (errado apoiar Aécio Neves) saíram da Rede. Alguns que consideraram que a Rede e Marina se equivocaram estarão dentro do partido para ajudar nesse debate. Acho que faz parte. A Rede ainda é um partido em formação. Então o seu real posicionamento ainda pode ser discutido. Não tem nada fechado. Temos um trabalho mais horizontal do que os outros partidos.

CC: Qual a situação atual para o registro do partido no TSE? Qual é a expectativa?

WF: A partir desse final de semana a gente deve realizar campanha organizadas e planejadas para conquistar as 32 mil assinaturas certificadas e exatamente após isso daremos entrada no TSE para conseguir o registro no primeiro semestre do ano que vem. No máximo.

CC: Na eleição, o tema dos banqueiros teve muito destaque, principalmente entre Dilma e Marina. E o governo cogitou colocar o presidente do Bradesco no Ministério da Fazenda. Como a Marina Silva está vendo essa postura?

WF: Era uma verdade da eleição. Uma verdade que não se confirma no cenário pós-eleitoral. Era um instrumento de argumento e análises muito mais para convencer o eleitor do que para dar de consciência do cidadão. Então esse é um dado dramático da eleição. O eleitor não pode ser tratado na campanha diferentemente do cidadão que ele é. Não pode ser levado a ele fatos e inverdades que não se confirmam

CC: Como você enxerga a Rede no Congresso Nacional? Alguma chance da Rede ser base aliada?

WF: Isso ainda vai ser discutido. Não vejo nenhuma possibilidade de ser base aliada. A Rede não nasceu com essa perspectiva.  A Rede quer ajudar o Brasil. Acima das lutas político partidárias tem uma nação que precisa de muitos cuidados nesse momento difícil da crise que estamos passando.

CC: Mas qual deve ser a postura do partido no Congresso sobre temas nacionais? Mais próxima do faz hoje o PSDB?

WF: A posição nossa, que muitas vezes não é compreendida mas tem todo o sentido no novo momento democrático nas nações do mundo, é a questão da posição. Nós não pretendemos ocupar o espaço da oposição que é um espaço mais construído a partir da ação do PSDB. A Rede quer vir para o cenário político tendo posição em relação as questões de interesse nacional. Por exemplo, essa questão de análise da corrupção da Petrobras tem que despolitizar isso porque é uma investigação policial. É uma investigação jurídica, é uma investigação dramática de como está organizado o sistema de governabilidade e de apoio político. O que precisa é todo mundo participar dessa reconstrução, governo e situação. Porque isso não se sustenta. Isso não pode ser assim, tanto por parte do governo, de manter debaixo do tapete, como também da oposição, que não pode se valer disso apenas e exclusivamente para dizer “eu sou melhor”. A estrutura inteira está ‘cupinizada’, como diz o presidente Fernando Henrique. Ela precisa ser ‘descupinizada’ e isso interessa a todos e principalmente ao brasileiro. Então a posição da Rede vai ser construtiva em relação ao Brasil.

CC: Então, na questão da reforma política, a Rede ajudaria o governo, por exemplo?

WF: Ajudaria o Brasil. A Dilma está correta em apontar que a reforma política é essencial para que nosso país tenha uma sobrevida sadia e democrática. Eu convivi com o (ex-governador de São Paulo) Mário Covas desde 1983 e ele já dizia isso. Faz 30 anos que a gente diz que a reforma política é a mãe das reformas. Então a presidenta Dilma nada mais fez aquilo que todo mundo diz há muito tempo, mas ninguém faz. Então reforma política deve ser um esforço do Congresso, não uma atividade do Executivo. A chamada base aliada e os partidos devem participar ativamente. Claro que, se o governo tiver uma atividade destacada, vai ajudar muito.

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