Opinião

Vizinhos estimulam o Brasil a superar a limitação do desenvolvimento fronteriço

Estarmos juntos é muito importante no âmbito internacional, não apenas continental

Ricardo Stuckert/PR
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“Não encontramos definição mais acertada de paz do que aquela dada pela Carta da Terra: ‘a plenitude criada por relações corretas consigo mesmo, com outras pessoas, com outras culturas, com outras vidas, com a Terra e com o Todo maior do qual somos parte.'” – Leonardo Boff

A beleza das relações está em muitas coisas; uma das facetas mais fascinantes talvez seja a explicitação da complementaridade entre os seres humanos e entre estes e a natureza.

Isso também vale para as relações internacionais: o Brasil, notoriamente, tem dificuldade em coordenar políticas para suas áreas de fronteira.

Na verdade, isso se verifica, em primeiro lugar, internamente, nas regiões das divisas interestaduais, via de regra mais pobres e desassistidas.

No caso do nosso relacionamento continental essa verdade fica patente: embora o Brasil ainda não tenha conseguido superar aquela limitação do desenvolvimento fronteiriço, nossos vizinhos vêm nos estimulando a fazê-lo, marcando reuniões internacionais conosco em cidades de fronteira.

Isso aconteceu com a Argentina, que agendou a Cúpula do Mercosul para Puerto Iguazu, cidade geminada com Foz do Iguaçu, há duas semanas, e, na semana passada, com a Colômbia, que realizou a Cúpula Brasil-Colômbia em Letícia, geminada com Tabatinga.

Dessa forma, os vizinhos nos complementam, crescemos todos, portanto.

Com efeito, naquela reunião, preparatória da Cúpula da Amazônia, que se realizará em Belém, em 8-8, inspirado, Lula fez dois importantes anúncios, de forte impacto para a fronteira amazônica: a criação de um Parlamento Amazônico e de um Fórum de Cidades Amazônicas.

Trata-se da aplicação do princípio da democracia participativa às relações internacionais, de sorte que, assim, possam conformar uma política externa.

Vale notar que participação é condição sine qua non da política, quer em sua etimologia de polis (“cidade”, em grego), que traz em si a ideia de multiplicidade de interesses, quer em associação livre com as artes plásticas, em que o poliptico é o quadro com quatro ou mais faces articuladas.

Estarmos juntos é muito importante no âmbito internacional, não apenas continental.

Neste momento, vemos a Europa, mais uma vez, mergulhar nas trevas do ódio ao outro, seja ele o imigrante ou o russo asiático.

Uma das cenas mais chocantes e emblemáticas, nesse sentido, foi terem comemorado o presidente da Ucrânia voltar da Turquia com 5 membros do Batalhão ucraniano Azov, notoriamente nazista. A comemoração, por parte da imprensa europeia, foi praticamente unânime, o que remete ao terreno em que a planta má do nazismo e do fascismo floresceram há exato um século atrás. O caldo para o genocídio parece novamente pronto; desta vez, poderá arrastar toda a Terra para o holocausto final.

A propósito, cabe lembrar mais uma vez Paulo Freire: quando a educação não é libertadora, o oprimido irá reproduzir as práticas do opressor, só assim se podendo explicar o comportamento europeu, ao qual a educação formal não foi negada no último século.

O mesmo vale para a Organização das Nações Unidas.

Quando vemos o estado em que se encontram o Haiti, o Líbano e o Saara Ocidental, entre outros países em que estiveram as Forças de Paz da ONU, cabe perguntar: para que serviram? Mudaram algo para melhor ou para pior?

A resposta é clara: para pior.

O estado do Haiti é absolutamente desastroso: mais de 5 milhões de pessoas na pobreza extrema e 2,5 milhões vivendo sob todo tipo de desmando das milícias.

No Líbano, 9 de cada 10 famílias não têm o suficiente para a subsistência.

No Saara Ocidental, o Marrocos continua a ocupar o país, violando sistematicamente os direitos humanos do povo saharaui, sem que a ONU sequer possa tratar das violações, pois o violador bloqueia que a missão de paz faça observação dos direitos humanos, caso único no registro da ONU.

Pior, as operações de paz são o departamento que mais drena dinheiro da Organização, engordando as polpudas contas bancárias de generais golpistas como Heleno e companhia.

Tudo isso, infelizmente, com o aval do Itamaraty, o que em nada alivia a irresponsabilidade direta dos militares responsáveis por elas.

Ainda pior, não há, no caso brasileiro, qualquer discussão séria, estratégica, entre diplomatas e militares sobre como levar cooperação para o desenvolvimento aos países em que a milionárias operações se realizam: ou seja, um desperdício de dinheiro à vista de qualquer pessoa sensata.

Em âmbito interno, aos paulistas só cabe esperar que as trevas do bolsonarismo estadual também passem: o governador, que quase apanhou dos correligionários fascistas em recente reunião partidária, continua em sua cruzada obscurantista: decidiu dar o nome de notório torturador a um viaduto em Paraguaçu Paulista, que ainda por cima é estância turística. Assim, até que se desfaça essa aberração, ao passar por Paraguaçu, passe direto…

Na outrora “locomotiva do Brasil”, o campeonato parece ser pela primazia da ignorância: o secretário-executivo de Mudanças Climáticas do Município de São Paulo, na semana passada, teve o desplante de afirmar que “o planeta Terra se salva sozinho”.

Na mesma semana, o planeta registrou as maiores temperaturas jamais vistas, a Itália chegou aos 48 graus de calor e a Argentina, aos menos 22,5 graus negativos…

Em vista daquela afirmação, o lema da cidade, non ducor, duco (não sou conduzido, conduzo), talvez tenha de ser atualizado para: não penso, pensem por mim…

Em Virtudes para um Mundo Possível (editora Vozes), Leonardo Boff nos inspira: “A paz é a forma de administrar os conflitos, usando meios não conflitivos… Em sua busca os interesses coletivos devem se sobrepor aos interesses individuais ou grupais, a multiculturalidade prevalecer sobre o etnocentrismo, a perspectiva global orientar a perspectiva local e a cidadania nacional se abrir à cidadania planetária. Caso não assumamos coletivamente esta estratégia pacífica, dificilmente a paz surgirá”.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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