Opinião

Uma escolha muito difícil

O combate ao ‘lawfare’ importa, mas não é tudo

A posse de Cristiano Zanin no STF. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
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Quando Lula escolheu Cristiano Zanin para compor o Supremo Tribunal Federal, um turbilhão de perguntas emergiu. Rigor e competência em serviço são garantia de lealdade? O que pensa o advogado ministro sobre os temas que realmente importam?

Um mês depois, parte delas se esclareceu. O mistério, porém, deu lugar à decepção.

Boa parte das canetadas que o ministro Zanin proferiu até aqui são de arrepiar qualquer progressista (e agradam os mais obtusos bolsonaristas).

Invocando ‘problemas de saúde relacionados ao vício’, Zanin foi contra a descriminalização do porte de maconha.

Também foi o único a votar contra uma ação que equiparava ofensas homofóbicas à injúria racial, atribuindo a decisão a questões processuais.

Defendeu ainda manter a condenação de dois homens acusados de furtar o equivalente a 100 reais, baseando-se no duvidoso entendimento de que reincidentes não podem ser absolvidos pelo princípio da insignificância.

Também com seu voto, o STF reconheceu as guardas municipais como órgãos de segurança pública, ampliando o poder desses agentes nas metrópoles.

Para completar, mais recentemente, Zanin negou o reconhecimento de uma ação sobre a violência policial contra indígenas em Mato Grosso do Sul, o que acende um sinal amarelo acerca de sua posição sobre o Marco Temporal.

A postura burocrática e conservadora de Zanin até aqui sugere uma limitação em enfrentar os dilemas éticos e sociais que cabem aos tribunais de alta estatura. Especialmente na América Latina, onde cortes superiores frequentemente lideram avanços em direitos humanos e civis.

Foi por falta de aviso? Sim e não.

Movimentos sociais e figuras proeminentes da esquerda pressionaram pela nomeação de uma mulher negra. Mas os gritos se perderam na câmara de eco das redes sociais, onde a mais branda crítica à escolha do presidente foi tratada como oposição disfarçada ou traição.

Também pesou a falta de luminares do Direito dispostos a questionar em voz alta os predicados de Zanin. Eventuais reparos ficaram restritos a conversas de bastidor. Em público, destacava-se o direito de escolha de Lula.

O combate ao lawfare importa, mas não é tudo. Em um Judiciário já inclinado à direita, a escolha de Zanin só aumenta o abismo entre o STF e um projeto de país mais justo. Ao tentar seduzir, mais uma vez, o conservadorismo brasileiro, Lula impõe a todos nós uma longa e tremenda ressaca moral.

A história nos ensina que as escolhas de hoje definem o legado de amanhã. E as de Zanin, até agora, não enchem ninguém de esperança. Cabe fiscalizar, questionar e desafiar Lula a não repetir a dose em uma segunda indicação. Ainda há tempo.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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