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Ritorna vincitore

Ciro Gomes, Gregório Duvivier, Lula e o caráter plebiscitário das eleições de 2022

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Foto: Reprodução/HBO
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Impossível resistir. Dizem para aí que um candidato não deve debater política a não ser com os seus pares, mas foi exatamente essa heresia que me atraiu. Há muito que me desagrada o lado kitsch do politicamente correto. Parti, portanto, cheio de curiosidade e expectativa. Julgo que todos podemos concordar que Ciro Gomes tem cultura política, experiência governativa e um vocabulário rico e variado, característica que me agrada particularmente. Até o seu temperamento me agrada. Sempre gostei dos políticos que “amam insensatamente os ácidos, os gumes e os ângulos agudos”. A coisa para mim prometia, mas acabou por se revelar um desastre, um desastre. Na verdade, nada havia ali para discutir. O humorista já tinha expressado a sua admiração pelo projeto e pelas propostas de Ciro. Nada disso os dividia. O que os separava era outra coisa que não tem remédio – para Ciro o que importa é o programa, para Gregório Duvivier, o que o motiva é a urgência de mudança política. Por isso vai votar Lula.

Podemos dizer o que quisermos sobre este apelo ao voto útil, menos que é ilegítimo ou leviano. Pelo contrário, neste ponto o humorista tem uma boa base de fundamentação – Lula tem 48% nas pesquisas, Ciro tem 7%. Convenhamos que o argumento tem peso. Mas sejamos também compreensivos com Ciro Gomes. Depois de anos e anos de preparação, depois de compor um longo e minucioso projeto de governo, é duro para um candidato ouvir, ainda por cima de quem no passado o apoiou, que as suas propostas são boas, mas que, agora, o que realmente está em causa é derrotar o atual poder. A Duvivier só lhe interessa saber quem está em melhores condições de vencer. Era melhor ter concordado em discordar. O mundo não acaba amanhã e talvez noutra ocasião os astros se alinhem e os interesses de ambos coincidam. Mas não, a conversa aconteceu e foi um desastre, um desastre.

A certa altura do debate, Gregório Duvivier fez uma observação muito interessante sobre o fato de este não ser o tempo de Ciro. Pelo menos foi o que registrei mentalmente (também eu estou com medo de cometer algum erro factual). Seja como for, se disse isso, acho que acertou em cheio. Esta eleição não é sobre programas, nem sobre medidas, nem sobre ideias de governação. Melhor dizendo, será sobre isso tudo, mas isso não será, no meu ponto de vista, o fundamental. A eleição será um plebiscito, mas não sobre Bolsonaro. Esta eleição será um plebiscito sobre Lula da Silva. Esta eleição será sobre a injustiça que sofreu. E sobre a violência de que foi vítima. E sobre o arbítrio e os abusos cometidos. Esta eleição será sobre o uso descarado da Justiça para perseguir o inimigo político. E sobre a farsa de um julgamento. E sobre um ativista político disfarçado de juiz. E sobre aqueles 580 dias. A minha tese é esta: o povo brasileiro quer fazer destas eleições um ajuste de contas com a história recente.

A revista Time escolheu Lula da Silva para a capa da sua última edição, antecipando a sua vitória. A escolha não foi um capricho. A escolha foi feita porque todos lá fora sabem que essa vitória será um acontecimento extraordinário (e talvez saibam melhor do que aqui dentro). Não, não é uma vitória qualquer. Esta vitória nasceu na prisão e cresceu na solidão da prisão. Esta vitória será a vitória de um líder político que cresceu num ­país com uma desigualdade social obscena, que foi líder de um sindicato, que depois fundou um partido, que depois foi candidato a presidente da República e que nessa eleição conseguiu ir para o segundo turno, quando ninguém dava nada por ele. Depois perdeu e se levantou. Perdeu de novo e de novo se levantou. E de novo voltou a tentar. E perdeu de novo. Até que ganhou. E ganhou outra vez. E depois conseguiu ainda que a candidata que apoiou fosse eleita. Uma vez e outra vez. E depois, com medo do seu regresso (na verdade foi isso que sempre esteve em causa), seus adversários decidiram metê-lo na cadeia com um processo judicial que tinha as cartas marcadas da motivação política. Lutou e venceu na Justiça. Lutou e desmascarou-os. E voltou. ­Sêneca dizia sobre esses regressos épicos que “só quem já bebeu do seu próprio sangue (…) está em condições de descer à arena com expectativa de vencer”.

Esta vitória será uma coisa poucas vezes vista no mundo. A minha tese é esta – de fato, este não é o tempo de Ciro. Nem de Bolsonaro. E se esta eleição é um plebiscito, então é um plebiscito sobre Lula da Silva. Ritorna vincitore. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1211 DE CARTACAPITAL, EM 8 DE JUNHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Ritorna vincitore

 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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