Paulo Nogueira Batista Jr.
[email protected]Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países
A verdade incômoda é que o Brasil é um paraíso fiscal para os bilionários
Posso falar do Lula outra vez? Pergunto e eu mesmo respondo: posso! Afinal, este é o derradeiro artigo do ano de 2022. E quem foi a grande figura deste ano tão difícil que atravessamos? Existe salvador da pátria? Se existe, nós sabemos quem é.
Não pense, leitor, que este parágrafo inicial, entusiasmado, signifique admiração fervorosa e irrestrita pelo presidente eleito. Não! Tenho minhas reservas, minhas dúvidas. É natural. Ninguém é perfeito e ninguém merece ser poupado de críticas. E o papel de pessoas como eu será não apenas apoiar, mas também criticar, se necessário de forma severa, o futuro governo brasileiro.
E, em especial, cobrar o cumprimento das promessas de campanha. Por exemplo, o candidato Lula disse diversas vezes que pretendia “colocar o pobre no orçamento e o rico no Imposto de Renda”. Perfeito. Nada mais justo, nada mais necessário.
O que significa essa fórmula feliz? Duas coisas, pelo menos. Primeiro, modificar a composição do gasto público. E, em segundo lugar, aumentar a tributação sobre os super-ricos.
Do lado do gasto, o importante é assegurar que as despesas do governo beneficiem em primeira instância os pobres, os miseráveis, os mais necessitados. Fundamental, portanto, abrir espaço no orçamento para o aumento expressivo das transferências sociais, inclusive o Bolsa Família, o aumento do poder de compra do salário mínimo e, também, maiores despesas de educação e saúde focadas nos mais pobres. Merenda escolar, por exemplo. Farmácia popular, outro exemplo. Também moradia. Transporte público.
Veja, leitor, que falei em “abrir espaço”. Isso significa cortar gastos supérfluos, que beneficiam quem já tem renda e riqueza. A linha de menor resistência será sempre sobrepor os gastos sociais aos gastos ineficazes e concentradores de renda já existentes. Pequeno problema: o nível do gasto público é alto no Brasil. Novos aumentos serão difíceis de conciliar com a estabilidade da economia.
E do lado da receita? Nesse ponto, o nível de vigarice das discussões econômicas habituais alcança uma espécie de ponto máximo. De fato, é fundamental colocar os ricos no Imposto de Renda. Melhor dizendo, colocar os super-ricos. Importante não deixar margem para exploração política dessa questão. Não se trata de aumentar a carga tributária sobre a classe média, que já é elevada. E muito menos sobre a população pobre, que suporta a pesada carga de tributos indiretos. Os super-ricos, que dominam a mídia tradicional, conseguem normalmente vender como aumento de impostos sobre “a sociedade” qualquer tentativa de fazê-los contribuir um pouco mais para o funcionamento do Estado.
Eis a verdade incômoda: o Brasil é um paraíso fiscal para os bilionários, a tenebrosa turma da bufunfa. O nosso país, como se sabe, é um dos mais desiguais do planeta. Um dos fatores que contribuem para isso é a injustiça do sistema tributário. Em 2019, um único brasileiro declarou renda de 1,4 bilhão de reais, sendo 1,3 bilhão em dividendos livres de tributação! A quantidade de injustiças da tributação não cabe em um artigo. Prometo voltar ao assunto, nesta coluna, em 2023.
Por ora, listo rapidamente alguns exemplos escandalosos. O Imposto de Renda da pessoa física torna-se regressivo após a faixa de 30 a 40 salários mínimos. A renda do capital é isenta na pessoa física ou sujeita a tributação proporcional ou de baixa progressividade. Heranças e doações estão sujeitas à alíquota máxima de 8%. Iates e aviões particulares estão isentos de IPVA. O Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto na Constituição de 1988, nunca foi criado. O Imposto Territorial Rural corresponde a apenas 0,1% da arrecadação federal.
Para completar o quadro, as fragilidades da administração tributária, agravadas durante o governo Bolsonaro, permitem que os bilionários escapem dos impostos com relativa facilidade. Praticam o chamado planejamento tributário, com assessoria de advogados tributaristas regiamente remunerados.
Os beneficiários desse paraíso tributário são exatamente os mesmos que, por intermédio dos seus serviçais – uma legião de economistas e jornalistas econômicos –, entopem a mídia tradicional com clamores por “responsabilidade fiscal”.
Veremos o que o novo governo fará para colocar “o pobre no orçamento e o rico no Imposto de Renda”. A resistência à mudança será grande, como sempre, mas é uma luta que vale a pena. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1239 DE CARTACAPITAL, EM 21 DE DEZEMBRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Rico no Imposto de Renda”
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