Opinião

Quem viu as imagens brutais a que todos temos acesso não pode discordar de Lula sobre Gaza

A extrema-direita não tem nacionalidade. Trata-se de ideologia supranacional, como vimos com o fascismo e o nazismo

Um homem carrega o corpo de um parente morto num ataque israelense a Rafah, no sul da Faixa de Gaza, no hospital al-Najjar, em 1º de dezembro de 2023. Foto: MOHAMMED ABED / AFP
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“Teilhard de Chardin dizia que todo o processo evolutivo, do Big Bang em diante, é um desdobramento da consciência. A evolução avança em direção a uma consciência maior, ativa em todos os níveis da realidade, o mental entra no mundo material de uma forma natural” – Ilia Delio

Trata-se de um processo inexorável. A denúncia de Lula de que a extrema-direita em Israel comete crime de genocídio em Gaza está nesse contexto.

Qualquer pessoa minimamente honesta que tenha visto as imagens brutais a que todos tivemos acesso não pode pensar de forma diferente.

Em alguns casos, essa tomada de consciência pode ser dramática: anteontem, um jovem oficial da Aeronáutica estadunidense imolou-se em frente da embaixada de Israel em Washington, ateando fogo ao próprio corpo, em protesto contra o apoio dos Estados Unidos ao genocídio da extrema-direita em Israel, perpetrado em Gaza.

Tratava-se de um jovem sorridente, no auge de seus 25 anos, mas com consciência superior do que seja calar-se, omitir-se diante de uma tal barbárie.

Como sempre recorda o Papa Francisco, a santidade está ao alcance de todos e os santos anônimos são infinitamente mais numerosos do que podemos imaginar.

Aquele jovem certamente será um deles, renunciando a uma carreira promissora para denunciar um genocídio de pessoas que provavelmente jamais encontraria, mas que a ele estavam ligadas, por serem humanos, com sentimentos, dores e amores.

Que nenhuma igreja o canonize, não importa. Seu testemunho de amor foi dado, da forma que ele julgou ser a melhor e mais adequada à contemporaneidade: foi transmitido ao vivo pelas redes sociais e mesmo a imprensa totalmente censurada do Norte não pode deixar de noticiar.

Refletindo, surgiu-me a consciência de que dizer “extrema-direita israelense” não estava correto.

Em primeiro lugar, porque ela não tem nacionalidade. Trata-se de ideologia supranacional, como vimos com o fascismo e o nazismo.

Em segundo lugar, porque, como o vírus da Aids, é mutante, podendo transformar vítimas em algozes, como ocorre em Israel.

Em terceiro lugar, porque suas vinculações internacionais são por demais vistosas, como vimos no último domingo, na Avenida Paulista, em que a extrema-direita no Brasil se embrulhou na bandeira de Israel para tentar justificar os crimes cometidos aqui, que vão de genocídio a tentativa de golpe de Estado.

Por essas razões, prefiro usar a expressão “extrema direita em Israel” ou “no Brasil” ou em qualquer outro país, quando for o caso.

Cabe notar que quando se diz que a imprensa do Norte está sob total censura (mas se dizem democráticos, rs), alguns exemplos podem ser ilustrativos: a TV estatal francesa France 24 Heures sequer noticiou que Lula corretamente denunciou o genocídio em Gaza.

Por outro lado, veiculou que o presidente eleito pela extrema-direita na Argentina deu aumento de 30% para o salário mínimo, sem informar que, no período, a inflação no país vizinho fora de 254%…

A honestidade tem passado ao largo das edições, no Norte…

Como resultado, a extrema-direita ganha cada vez mais espaço nos EUA e na Europa, tendo sido emblemática a recepção de Macron no salão da agricultura de Paris – um desastre – comparada com a do líder da extrema-direita na França – um sucesso.

Pior, ao invés de tentar reverter essa situação e ampliar o orçamento agrícola, Macron, com toda a pompa, resolveu receber os chefes de governo dos países europeus, para ampliarem a dívida da União Europeia em favor do orçamento…militar…

Se alguém tinha dúvida de que a Europa caminha para o mesmo desastre a que nos levou no século XX, talvez, assim, tome alguma consciência da gravidade da situação atual.

Pior, dela não escapam nem sequer os “capitalistas civilizados” nórdicos.

A Dinamarca, governada pela extrema-direita, encerrou as investigações sobre a sabotagem que implodiu os gasodutos “Nord Stream 1 e 2”, no Mar Báltico, os quais visavam a transportar gás da Rússia para a Europa.

A participação da extrema-direita dinamarquesa no ato terrorista em apreço estava por demais evidente e, talvez por isso, o governo deu por encerradas as investigações…

Importante notar que, ao contrário do senso comum, o racismo está em aumento no mundo e nele a extrema-direita baseia sua ideologia, como o fizera sob o fascismo e o nazismo.

Isso fica claro no ódio de Trump aos imigrantes, que qualifica de “terroristas”, assim como na nova lei de imigração francesa, que suspende direitos de imigrantes nascidos em território francês (ou de algumas de suas colônias, que teoricamente também seriam território pátrio).

Os ataques do desgoverno da extrema-direita em Israel ao presidente Lula claramente provêm dessa matriz racista, uma vez que, anteriormente, o Secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin, denunciara a “carnificina” que a extrema-direita em Israel executava em Gaza. Vale notar que o cardeal Parolin está longe de ser de esquerda – bem longe.

Ao comentar a obra-prima de Franz Fanon, um dos primeiros autores a denunciar a alienação e o racismo nas sociedades contemporâneas, em Os condenados da Terra, Alice Cherki, em Franz Fanon: um retrato, exemplifica o pensamento do médico, psiquiatra, da Martinica:

“Se a construção de uma ponte não puder enriquecer a consciência dos que nela trabalham, que a ponte não seja construída, que os cidadãos continuem a atravessar o rio a nado ou por barco. A ponte não deve ‘cair de paraquedas’, não deve ser imposta por um ‘deus ex machina’ ao panorama social, mas deve, pelo contrário, brotar dos músculos e do cérebro dos cidadãos…O cidadão deve apropriar-se da ponte. Só assim tudo é possível.”

Que nossa consciência social e individual se expanda cada vez mais, mesmo com a dor e o sofrimento que isso pode comportar.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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