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Que os mais velhos inspirem os mais jovens no que pode vir a ser uma virada histórica
O sinal foi dado. Em Washington, o presidente Bolsonaro disse com todas as letras, aos seus anfitriões: temos primeiro que destruir muito, para depois construir.
A destruição já está em pleno curso – por trás das trapalhadas – atingindo direitos, normas e políticas que construímos arduamente, como sociedade, ao longo de muitos anos. Ataca-se a soberania nacional, os recursos naturais e os equipamentos coletivos (venham para o Brasil, estamos vendendo tudo, disse o Ministro da Economia). A intolerância, o ódio e a violência agridem a solidariedade humana e a cultura de paz e de diálogo. A mentira usada na campanha eleitoral procura agora desarticular estruturas e processos educativos construídos para favorecer o crescimento da consciência cidadã e garantir formação para todos. O governo anuncia leis e projetos que agravam o sofrimento dos mais pobres. Há quem já identifique, nas falas do presidente e seu entorno, desvios militarizantes que poderão levar a enfrentamentos de civis armados.
Bolsonaro e Trump (Reprodução/GloboNews)
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Mas essa destruição, para completar-se, depende de haver pessoas que, concretamente, assinem documentos, votem nos parlamentos, escrevam textos e portarias, executem ordens, apoiem orientações e decisões, silenciem, reprimam, atirem, torturem. Nada do que pretende Bolsonaro se faz sem intervenções – ações ou omissões – de pessoas precisas, ainda que seja só para apertar um botão (ou um gatilho).
Mas o ser humano tem consciência. Por isso pode se recusar a agir contra seus princípios e valores ou convicções religiosas. O direito à objeção de consciência há muito tempo vem se consolidando em muitos países. Na Inglaterra desde a Primeira Grande Guerra. Na França surgiu, na época da guerra da Argélia, o estatuto civil especial do “objetor de consciência”. No Brasil foi regulamentada a objeção de consciência de médicos por motivos religiosos, e a Constituição abre a possibilidade de serviço alternativo ao serviço militar por “imperativo de consciência”. Bolsonaro pretende ampliar o direito de possuir e portar armas. Poderíamos criar uma onda de declarações, com autenticação em cartório, de pessoas que por convicção abdicam desse direito.
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57 milhões de brasileiros escolheram Bolsonaro mas 89 milhões votaram em seu oponente, se abstiveram ou votaram branco e nulo. Se a eles agregarmos os que o elegeram mas estão se arrependendo, poderemos erguer, com todos que não queiram ser cúmplices da destruição, um muro de contenção à barbárie anunciada, por meio do puro exercício da objeção de consciência.
Recusar ordens não é fácil. Pode-se perder o emprego, ser reprimido e castigado. Mas talvez seja também a hora e a vez da solidariedade com os que vierem a sofrer as consequências de atos de coragem. Empresas podem abrir vagas para objetores. Advogados podem assegurar defesas e juízes podem punir atos de força. Terapeutas e médicos podem abrir consultórios para tratar sequelas. Comunidades podem suprir necessidades materiais de perseguidos. Políticos podem se unir para resistir à destruição.
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De nossa reação pode surgir uma enorme força cívica nova, capaz de reconstruir o país segundo os valores do respeito à vida, da proteção da natureza, da compaixão, da esperança de tantos no outro mundo possível. Em boa hora a CNBB lançou sua Campanha da Fraternidade centrando-a nas políticas publicas e na superação da desigualdade social. Quem sabe os mais velhos poderão inspirar os mais jovens no que pode vir a ser uma virada histórica.
O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.
Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.
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