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Os protagonistas sociais do encontro Lula-Biden

Imagem oficial vai evidenciar afinidades entre duas democracias que emergiram de lutas contra um extremismo político. Esses retratos serão, no entanto, incompletos

Lula e Joe Biden. Fotos: Sergio Lima/AFP e Michael M. Santiago/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/Getty Images via AFP
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O encontro entre os presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 10 de fevereiro, em Washington, terá os dois líderes mundiais como os maiores protagonistas. A imagem oficial dos púlpitos, adornados por brasões e circundados por bandeiras, vai correr o mundo, colocando em evidência as afinidades e convergências entre as duas democracias que emergiram vitoriosas de lutas recentes contra um extremismo cada vez mais violento e articulado internacionalmente .

Esses retratos serão, no entanto, incompletos. Eles contam apenas uma parte da história. O que as fotos não mostrarão é o papel fundamental que atores da sociedade civil organizada e movimento sociais do Brasil e dos EUA tiveram para que esses dois presidentes pudessem disputar e vencer suas respectivas eleições e governar democraticamente.

Foi o campo social organizado e representativo do movimento ambiental, negro, sindical, das mulheres, LGBTQIA+, dos povos indígenas, da cultura, da democracia e os direitos humanos, de forma mais abrangente, quem assumiu a vanguarda da ação internacional em defesa da democracia nestes recentes tempos difíceis.

No ano passado, uma rede americana em defesa da democracia no Brasil uniu-se a organizações brasileiras para informar sobre os riscos reais que vivia a democracia, para afirmar a confiabilidade no sistema de votação e para advogar por um reconhecimento imediato ao resultado eleitoral e à posse do novo governo.

A resposta americana, a propósito, não tardou e, talvez, essa resposta – dada tanto publicamente quanto por meio de canais reservados – tenha sido decisiva para dissuadir um golpe e uma alteração da ordem constitucional.

O protagonismo da sociedade e da luta social organizada ajudou a preservar a democracia e a trazer esses dois líderes, Lula e Biden, até seus respectivos púlpitos. É esperado que eles mantenham um fio vital de escuta e conexão com a sociedade civil e movimentos sociais de seus respectivos países. E é legítimo reivindicar que eles incluam as demandas sociais no diálogo diplomático.

A questão democrática – um tema que poderia fazer parte do passado – voltou a ser reforçada diante dos episódios golpistas do 8 de Janeiro em Brasília e os paralelos com o processo que culminou com a invasão do Capitólio em Washington, em 2021. O debate público e institucional sobre as dinâmicas de enfrentamento à desinformação e às práticas de violência política extremista estão candentes em ambos os países. Certamente, estas circunstâncias históricas empurram os dois países a trabalharem juntos para promover os valores democráticos no âmbito regional e global.

Mas, além disso, o que mais se pode esperar das relações entre o Brasil e os EUA? Há uma longa lista de temas de interesses conectados, que oportunizam um amplo trabalho e uma agenda social conjunta.

Ao lado dos assuntos de predileção dos dois governos – a segurança alimentar global, a mudança climática e a gestão da migração regional – as agendas raciais, de proteção ambiental e indígena e de gênero, precisam estar no topo dos interesses mútuos. Nestes temas, o espaço para a cooperação binacional é enorme e a disposição social para efetivá-la é real e concreta.

A luta antirracista, por exemplo, transcende fronteiras. O próximo Fórum Permanente de Afrodescendentes da Organização das Nações Unidas será em Nova York. É impossível ignorar a influência e a relevância que movimentos como o Black Lives Matter e o movimento negro brasileiro têm na conformação de ambos os governos. É preciso retomar o Plano de Ação Conjunto EUA-Brasil para Eliminar a Discriminação Racial e Étnica e Promover a Igualdade, com garantia de recursos e com participação social.

A decisão de Biden de enviar para a posse de Lula a secretária de Interior, Deb Haaland, uma mulher representante dos povos originários dos EUA, que encontrou entre suas interlocutoras no Brasil a nova ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, é um sinal de que a cooperação pode ser calcada na identidade de lutas sociais comuns por sobrevivência histórica e reconhecimento. É crucial acelerar a transferência mútua de tecnologias verdes de maneira compatível com a urgência de se transformar em realidade a ambição do desmatamento zero e da proteção dos grandes biomas, como a Amazônia.

Nos EUA e no Brasil, as transformações sociais e as decisões judiciais em matéria de direitos reprodutivos e igualdade de gênero têm tido grande repercussão. As duas grandes democracias das Américas deveriam construir alianças nos foros internacionais em matéria de direitos humanos para impedir retrocessos e avançar na progressividade de sua implementação.

Na visita de Lula a Washington, a maioria dos holofotes e flashes podem estar voltados para os líderes que encarnam o poder de turno. Mas eles são apenas a ponta visível de estruturas muito mais profundas, que dão substância, sustentabilidade e sentido para a diplomacia e a integração de seus países. A condição de possibilidade para uma robusta relação entre o Brasil e os EUA passa por estabelecer uma agenda de interação que tenha efetivo lastro em suas sociedades vibrantes.

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