Opinião

Oposição: hora de priorizar a unidade

No lugar de muros, as lideranças precisam construir pontes

Protesto contra Bolsonaro (Foto: ABr)
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Apesar do recesso parlamentar e da ausência de manifestações de rua expressivas, o mês de janeiro foi intenso para a oposição. As primeiras medidas do novo governo exigiram respostas contundentes e mostraram que o ataque aos direitos está no centro do projeto de Bolsonaro.

As trapalhadas dos primeiros dias e as declarações absurdas de certos ministros não devem nos enganar. Apesar de não contar com um núcleo dirigente consolidado – já que o próprio presidente padece de limitações políticas e intelectuais evidentes –, o governo de Bolsonaro sabe bem o que não quer: a ampliação dos direitos sociais, uma inserção autônoma e soberana do Brasil no cenário internacional, o reconhecimento das minorias, um Estado forte e com capacidade de conduzir uma política econômica geradora de emprego e renda.

Em meio aos primeiros ataques de Bolsonaro, como a edição do decreto que flexibiliza as condições para posse de armas, ou a MP 870, que reestrutura o poder Executivo para fortalecer o poder do agronegócio, do mercado financeiro, do punitivismo penal e dos militares, aconteceu a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados e do Senado. As casas são decisivas para determinar se a agenda de Bolsonaro terá sucesso ou não. E o governo conseguiu uma dupla vitória, contrariando muitas previsões.

Na Câmara, o agora “bombado” PSL, decidiu apoiar o favoritíssimo Rodrigo Maia (DEM/RJ). Abriu mão do discurso contra os velhos partidos para aliar-se a eles. Na fatura, o acordo entre Maia e Bolsonaro para viabilizar as condições para a Reforma da Previdência e o ataque aos aposentados.

No Senado Federal, os erros de Renan Calheiros levaram a uma improvável vitória de Davi Alcolumbre, um obscuro senador do segundo escalão, guindado à condição de alternativa ao liderar uma manobra regimental que tentava impor o voto aberto para a eleição da mesa do Senado.

Eleição no Congresso

Lá, o governo agiu por meio de Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil, em favor do candidato do DEM. Nas redes sociais contou com pesada artilharia anti-Renan.

Diante desses episódios, a oposição se dividiu. Na Câmara, PDT e PCdoB apoiaram a reeleição de Maia, aferradas à fajuta promessa de “autonomia” do atual comandante da casa em relação a Bolsonaro.

Lutaram com unhas e dentes para isolar PT e PSOL e construir uma alternativa de centro-esquerda e diálogo com a velha direita. Chegaram ao absurdo de compor um bloco com partidos da base do governo para ficar, numa manobra combinada com Maia, com a liderança da oposição.

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Erraram e se desgastaram enormemente entre os eleitores progressistas que não engoliram as justificativas para apoiar o candidato do governo.

Os demais partidos da oposição, por sua vez, mostraram mais juízo: construíram um bloco parlamentar entre PSOL, PT, PSB e Rede Sustentabilidade. Conscientes de que a eleição de Maia era certa, priorizaram o simbolismo da unidade contra Bolsonaro.

A principal candidatura do bloco foi aquela de Marcelo Freixo (PSOL), símbolo da luta contra as milícias no Rio de Janeiro. Ficou em terceiro lugar na disputa. Mais do que isso, reforçou, porém, a ideia da unidade e da necessidade de enfrentamento ao novo governo.

No Senado, a oposição, composta basicamente pelo PT (já que a Rede apoiou Alcolumbre), manteve-se à sombra de um desgastado Calheiros, desaparecendo do debate público enquanto a casa se desmoralizava com a tentativa do golpe para garantir o voto aberto, intervenção do STF via ministro José Dias Tofolli na madrugada e mais votos que senadores na hora da eleição.

Calheiros: derrota imposta pelo Planalto (Foto: ABr)

Um papelão complementado pelas grosserias disparadas por Calheiros contra a jornalista Dora Kramer, dias depois.

Por trás de todo o desgaste e das divergências entre os dois campos que se formaram para a eleição da presidência da Câmara existe, de fato, uma divergência de fundo em relação à melhor tática para enfrentar o governo.

De um lado estão aqueles que apostam num desgaste quase natural do governo e na necessidade de estabelecer pontes com setores da direita que podem entrar em contradição com a agenda de Bolsonaro. É a tal “oposição propositiva” ou moderada.

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De outro, estão aqueles que entendem que é necessário uma oposição de alta intensidade, para impedir que a agenda de Bolsonaro se consolide, mesmo que isso mantenha a oposição relativamente isolada por algum tempo.

Divergências e convergências

Apostam mais na mobilização popular e no desgaste provocado pelas medidas do governo do que em entendimentos com os velhos partidos da direita.

Essa divergência é absolutamente respeitável. Em pouco tempo a realidade dirá qual é a tática certa. Por isso, ainda que as “paixões clubísticas” volta e meia se manifestem entre os partidos e lideranças de esquerda, elas devem dar lugar a um debate racional e respeitoso.

O desgaste provocado entre PSOL e PCdoB, por exemplo, a partir de uma questão de ordem feita pelo deputado Ivan Valente (PSOL/SP) que questionava decisão de Maia em relação a uma controversa interpretação do regimento que beneficiava os aliados do presidente da Câmara, não foi positivo.

Assim como são reprováveis as declarações de Ciro Gomes em evento realizado pela UNE, em Salvador, quando afirmou que “a cúpula do PT é uma organização criminosa”.

A quem interessa reproduzir esse discurso de criminalização da esquerda? Ao tratar a direção de um partido de oposição dessa forma Ciro joga água no moinho de Sérgio Moro e seus sequazes.

Seria dispensável dizer, diante da situação atual, que dirigentes do PT que tiverem se envolvido em ilegalidades devem responder por seus atos. O que não parece razoável é generalizar para a “cúpula do PT” erros cometidos por indivíduos ou, pior ainda, dar a um Judiciário totalmente partidarizado e instrumentalizado por uma corrente política o status de Justiça isenta.

Por isso, o melhor seria que a oposição colocasse um pouco de água na fervura de suas divergências. Isso não significa ignorar as diferenças que existem nem deixar de abordá-las publicamente.

Mas se isso for feito de forma mais politizada e respeitosa, as condições para uma ação unitária diante dos ataques que se avizinham, como a reforma da previdência, serão ao menos preservadas.

Se no lugar de muros a oposição se esforçar em construir pontes, chegaremos mais longe.

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