Quadrinsta

Marcelo Freixo: “É muito evidente que há desejo em incriminar o Lula”

Na estreia da Quadrinstrevista, o deputado estadual do Rio de Janeiro Marcelo Freixo (PSOL) fala sobre a crise no Brasil e aponta rumos para superação

Marcelo Freixo defende necessidade de eleições diretas para legitimar Presidência da República
Apoie Siga-nos no

O Quadrinsta tem a honra de apresentar mais um formato de conteúdo para seus leitores: A Quadrinstrevista. Todo mês, conversaremos com uma personalidade da política (ou não) para debatermos, com o bom humor de sempre, os temas mais efervescentes do país. E nossa estreia é com o deputado estadual do Rio de Janeiro Marcelo Freixo (PSOL).

Um dos poucos candidatos da esquerda a alcançar o segundo turno nas últimas eleições municipais nas grandes capitais, apesar de derrotado por Marcelo Crivella (PRB), Freixo acumulou respeito e desponta como uma força política e provável expoente do discurso contra-hegemônico em futuro próximo. Ainda assim, prefere adotar uma linha comedida: “Assumir uma postura de liderança não é um projeto pessoal”.

Em conversa descontraída, Freixo fala sobre política no Rio de Janeiro e no Brasil, direitos humanos, Lula, Temer, operação Lava Jato, álcool, poesia, culinária e revela, com exclusividade, um trauma provocado pelo ultimo processo eleitoral: “Fazia a barba duas vezes por dia, não aguentava mais cortar a cara”.

Quadrinsta – Há um discurso comum no Rio de Janeiro de que seu eleitorado é formado essencialmente por maconheiros e jovens de classe média-alta. O que você acha que falta ao carioca: erva ou dinheiro?
Marcelo Freixo – Erva não falta, estamos vendo isso o tempo inteiro, já dinheiro falta para a maioria. Sobre a coisa do perfil, a última eleição mostrou algo muito diferente disso, primeiro porque chegamos ao segundo turno, derrotamos o PMDB. Ninguém chega ao segundo turno com votos exclusivos de um gueto. Para se ter uma ideia, no segundo turno, de acordo com o mapa eleitoral, a cada 10 votos que recebi, cinco foram da zona Norte e três da zona Oeste. Tive 80% do meu eleitorado nessas regiões, o que significa 1 milhão e 200 mil votos, portanto não é mais possível sustentar essa ideia de classe.

Na política, se constrói muitos rótulos, alguns verdadeiros, mas a grande maioria não. E é uma situação curiosa porque nasci na periferia de Niterói, no Fonseca, que é um bairro bastante violento, e vivi lá até os 40 anos. A minha história foi toda construída na periferia, com pai e mãe pobres, funcionários públicos, tive um caso de violência na família*. Talvez esse preconceito ocorra porque a minha cara não é típica de periferia, sou branco, de olhos claros, mas sou professor de história, passei 20 anos em sala de aula, fui bancário, fui boy, distribuí papel na rua. Não fico falando isso porque é a vida da maioria esmagadora dos brasileiros e tenho muito orgulho das dificuldades que fizeram o caminho.

Esse preconceito também é uma maneira de tentar reduzir a política, de tentar dizer que sou elitista, quando, na verdade, o que defendemos não é elitista, minha história não é elitista e a última eleição mostrou que meu eleitorado também não.

* O irmão de Freixo, Renato, à época assessor da secretaria municipal de Ciência e Tecnologia de Niterói, foi assassinado, em 2006, no condomínio onde morava, ao tentar impedir o avanço das ainda embrionárias milícias.

Q – No Rio de Janeiro, o PMDB escondeu as contas de campanha do Pezão, a propina do Cabral, o Amarildo e as vigas da perimetral. O que mais o PMDB escondeu do povo? Marcelo Freixo 1 MF – O PMDB escondeu a verdade o tempo todo. Esse partido é uma tragédia e, vendo os últimos acontecimentos, está provado que não é só no Rio de Janeiro. Na verdade, o PMDB é um grande arranjo de interesses que não são ideológicos, um grande mercado. Não posso dizer que todos no PMDB são assim, não vou cometer essa injustiça, mas a estrutura do partido é corrupta.

A gestão do [Sérgio] Cabral nos últimos 10 anos foi uma das coisas mais nocivas que uma administração pública já fez com um lugar. A estrutura de corrupção, o endividamento do estado, a irresponsabilidade com as contas são muito impressionantes. O Rio vive a pior crise da sua história, as pessoas estão morrendo, os servidores não estão recebendo seus salários, a violência está explodindo, não existe um projeto para educação. É muito profunda a crise gerada, não apenas pela roubalheira, mas pelo modelo. O estado vai demorar muito para se recuperar do PMDB.

Q – O Governador do Rio não tem apenas um pezão, mas o olho grande também.
MF – E a mão grande.

Q – Recentemente, Pezão enviou um projeto à Alerj sugerindo isenção fiscal de R$ 650 milhões à Ambev. Você acha que o consumo de álcool pode ser o motivo para o apelido do Governador?
MF – É um problema ético, não etílico, e o pior é que a ressaca vem para o povo do Rio de Janeiro depois.  Isso é um escárnio, acabaram até tirando esse projeto da pauta depois das nossas denúncias, mas não é só isso. Ano passado, eles apresentaram uma proposta em que o estado passaria a pagar as contas de luz da Supervia (companhia de trens urbanos), controlada pela Odebrecht.

Enviaram recentemente um projeto onde as grandes concessionárias não pagariam mais ICMS se o estado devesse a elas, um estado que não pagou o 13º salário de 2016 para os aposentados e pensionistas. Se tomarmos o exemplo da Light (concessionária de energia elétrica), que deve ao estado R$ 555 milhões na dívida ativa, não precisa mais pagar ICMS porque o hospital público ou a UERJ não quitou a conta de luz? É difícil até de comentar, mas esse não é um problema de tonteria, como diriam os espanhóis, mas um problema ético.

Q – A família Cabral está morta politicamente. A família Garotinho respira por aparelhos. Que família pode trazer o Rio de Janeiro para o rumo? Talvez a família Adams?
MF – Há gente que não tem problema, herda. Acho essa linhagem, essa lógica familiar na política, muito ruim, e não é só no Rio, temos a família Magalhães, a família Sarney. Isso vai criando um clã meio perigoso. O Império já mostrou que o modelo familiar não é bom, a República podia traçar um caminho diferente dessa hereditariedade. É claro que você pode ter um filho que se interesse pela política, um parente que se candidate por um partido diferente, mas a ideia de criar uma marca familiar para interferir como uma linha política, isso não deu muito certo no Brasil.

Q – Transformando uma afirmação da extrema-direita em pergunta: direitos humanos são para humanos direitos?
MF – Não, direitos humanos é cumprimento da lei, é para todos. O Estado não pode ser elemento da barbárie. Violências são formas que se diferenciam ao longo do tempo, mas toda sociedade é violenta. O Estado é um instrumento criado para equilibrar a capacidade violenta do homem, precisa ser um garantidor de direitos essenciais, isso é luta por direitos humanos. Se alguém matou tantas pessoas, eu posso matá-lo? O Estado diz que não porque há o direito à vida. Se alguém tira uma vida, deve pagar conforme a lei determina. Não pode haver tortura, nem execução sumária, mas isso não significa dizer que estamos defendendo bandidos, que é outra frase muito comum.

Acabei de receber um policial militar aqui no gabinete, você viu, e recebo muitos. Temos um trabalho de atendimento aos familiares de policiais mortos e há uma parte da sociedade que não gosta desse tipo ação, diz que a polícia é violenta. Sim, a polícia é violenta, mas não quer dizer que não tenhamos de olhar para a violência que a polícia sofre. É uma questão de civilidade, de democracia. Uma sociedade não atinge a democracia se não tiver respeito aos direitos humanos.

É claro que, como somos muito movidos pela intolerância, pelo medo, pelo ódio, a ideia de direitos humanos passa ser algo que você acredita que atrapalhe, porque permite menos vingança, mas a sociedade não precisa de vingança, precisa de justiça. É fundamental separar justiça de vingança para que possamos ter uma vida melhor para todos.

Q – Como inverter a lógica de um Estado que perdoa dívidas de empresários brancos e condena negros e pobres todos os dias?
MF – Uma das coisas que aprendi com meu trabalho no cárcere é que não é só pobre que comete crimes, ultimamente, inclusive, isso está muito claro, mas é o crime cometido pelo pobre que gera privação da liberdade porque prendemos quem a gente vigia. A justiça criminal brasileira é uma máquina de triturar carne negra. O sistema penitenciário cumpre um papel na ordem que é o papel de controle.

Para se ter uma ideia, a taxa de esclarecimento de homicídios, que é um crime grave, contra vida, é de cerca de 6% no Brasil, ou seja, a maioria absoluta dos casos não é resolvida. Não somos um país que investiga, mas que prende muito. A maior taxa de encarceramento do mundo nos últimos 10 anos é do Brasil, e a sensação da população é que somos o país da impunidade. Não é.

O Brasil tem mais de 620 mil presos, já temos a quarta população carcerária do planeta. O papel da justiça criminal é encarcerar quem não tem permissão para entrar na sociedade com mais dignidade e cidadania, por isso as cadeias estão lotadas de pobres, jovens, negros, moradores de periferias, de favelas, pessoas com baixa escolaridade. Marcelo Freixo 2

Temos medidas concretas para inverter essa lógica. Hoje no Brasil, 42% das pessoas que estão presas não foram julgadas, não tiveram acesso ao juiz. A justiça brasileira, que é capaz de fazer as delações premiadas, de permitir que uma pessoa com dinheiro utilize todos os recursos para não ir à cadeia, é a mesma capaz de deixar alguém preso por dois anos e depois ser inocentado, porque existe um elemento de classe. Todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais que outros.

A Justiça não está longe da questão das classes sociais e precisamos de medidas muito concretas. Defendemos as audiências de custódia, isso pode reduzir a população carcerária. A pessoa tem de ser assistida em 24 horas pelo juiz, ele tem de dizer se é um caso para se manter a prisão ou não, mas em um dia, não pode ficar um ano preso esperando. Enfrentar os elementos de classe da Justiça que fazem o país ficar mais violento, mais injusto, é prioridade.

Q – Tivemos no último dia 18, nas manifestações contra o governo Temer, mais um show de horrores entre manifestantes e policiais. Bombas, balas de borracha, gás de pimenta. O que pode ser feito para encerrar esse belicismo desenfreado em uma arena onde só há vítimas? Porque as rivalidades no Brasil, em todas as esferas, andam tão afloradas?
MF – Essa é uma polêmica grande, precisamos resolver, porque são métodos muito diferentes. É engraçado que já levei a fama de ser líder desses grupos violentos que não têm a ver comigo, porque sou de partido, de instituição, defendo um determinado caminho. Esse grupo não acredita nas eleições, não acredita no processo representativo e tenho respeito por isso, mas não concordo, não faço parte disso.

Agora, os métodos são distintos, o método de uma caminhada com fala, com convencimento, é um método. O método do enfrentamento direto é outro, e eu particularmente não concordo porque a violência afasta as pessoas, diminui a força da capacidade de reivindicação, e isso é de um grupo muito reduzido. A reação da polícia também não pode ser desproporcional como tem sido, acaba atingindo quem não tem nada a ver com aquilo.

A força não vem pelos métodos violentos, isso acaba fazendo você perder a opinião pública. E tem uma dose da luta que é pedagógica, você tem de ganhar cada vez mais gente. Tenho muita divergência com esses grupos, da forma que vêm agindo. O Brasil sempre foi um espaço de contradições, acho que não é esse o problema. As contradições podem mover, o problema não é a polarização.

É necessário criar algo que possa dialogar com os dois lados, mas o Brasil vai ser sempre isso, está no futebol, faz parte da cultura brasileira. A contradição, o conflito, não é um problema necessariamente, o problema é quando isso vai parar em um campo, digamos, não republicano.

Q – A esquerda no Brasil vem passando por uma crise de lideranças. Atualmente temos apenas o Lula, envolvido em escândalos de corrupção, mas avizinha-se um vácuo a ser preenchido. Você vem participando de eventos políticos fora do Rio de Janeiro, aparentemente em busca de construir uma identidade nacional para sua imagem. O que te falta para assumir essa vacância de lideranças na esquerda? Você já deixou a barba crescer, faltaria perder um dedo?
MF – É verdade, estive em Florianópolis, Belo Horizonte, Belém, São Paulo, mas minha história é muito diferente da do Lula. Tenho todo respeito pela história dele, assim como pela do PT, mas também muitas divergências. Lula cumpriu um papel, uma lógica de governabilidade, de conciliação, de acordos, que fizeram muito mal à esquerda. Até hoje não temos um programa nacional de esquerda e isso tem relação com o método adotado pelo Lula e por outros. Divergimos bastante disso, o “lulismo” não nos representa, nem no passado recente, muito menos agora.

Temos outro papel a cumprir e isso tem a ver com minha agenda nacional. Provavelmente serei candidato a deputado federal em 2018 para fazer com que superemos a cláusula de barreira, e minha ida para outros estados é exatamente por conta disso. O PSOL precisa crescer para além do Rio de Janeiro. Por aqui já somos a segunda maior força política, nossa bancada é maior que a do PSDB e do PT, mas precisamos crescer nacionalmente.

Como depois da eleição para prefeito meu nome nacionalizou porque cheguei ao segundo turno e poucos candidatos da esquerda nas capitais chegaram, com a expressão que o Rio tem, veio gente do Brasil inteiro para cá. Acho que agora tenho a possibilidade de retribuir um pouco nacionalmente essa construção, mas assumir uma postura de liderança não é um projeto pessoal. Marcelo Freixo 4

O PSOL é uma alternativa de esquerda importante, acho que o PSOL tem de ocupar esse papel. Sei que tenho um peso grande dentro do partido até pelos resultados eleitorais, mas o PSOL enquanto partido, ente coletivo, tem de fazer um programa junto com os movimentos sociais. Um programa hoje pode dialogar mais com a experiência do Podemos, da Espanha. Precisamos ter rua e rede, uma rede social que faça contra a hegemonia e uma rua cada vez mais organizada, onde o partido é um instrumento com esses movimentos de fortalecimento das lutas.

Agora, a barba é porque campanha eleitoral é um saco, eu fazia a barba duas vezes por dia, não aguentava mais cortar a cara. Uma das coisas que prometi é que quando acabasse a eleição, deixaria a barba crescer por um tempo, mas depois eu tiro.

Q – O Lula é um animal político. O ex-presidente tem uma capacidade de mobilização reconhecida até por seus adversários. Se ele for condenado e preso, considerando-se essa enorme habilidade com as massas, você acredita que ele possa provocar uma rebelião popular ou apenas trabalhar na padaria da cadeia para reduzir a pena?
MF – É difícil imaginar o que vai acontecer nesse sentido. Que há o desejo de incriminá-lo, está muito evidente. Que a história do governo do PT está carregada de erros e acertos, de acordos que não deveriam ter sido feitos, também. Mas para condenar alguém, você precisa produzir provas.

Qualquer investigação sobre corrupção tem de acontecer, não sou desses que joga a Lava Jato no lixo, acho um equívoco. Não posso achar que a Lava Jato é ruim quando faz uma coisa e boa quando prende o Cabral, é preciso um mínimo de coerência, mas é evidente que a operação tem excessos, desvios, autoritarismo.

Me preocupa muito a posição que o Judiciário vem tomando nos últimos tempos. É como se o Judiciário fosse o espaço da decisão política sem a política, o que não é verdadeiro. O Judiciário é político, tem corrupção. A Lava Jato até agora não chegou ao Judiciário e nem se vai chegar. A corrupção tem de ser enfrentada, tem de haver investigação, mas o Judiciário é uma casa que faz política, e, por não ter a sua origem no voto, muitas vezes é revestida de uma suposta independência ou critério técnico que esconde decisões políticas.

O Supremo não pode ser o poder moderador da Constituição de 1824, que estava sobre os outros poderes. A Constituição de 1824, primeira Constituição brasileira, cria a figura do poder moderador que era o próprio Imperador, estava acima do Executivo, Legislativo e Judiciário. O Supremo não pode ser o espaço do poder moderador. Quando a Cármen Lúcia se reúne com o PIB e faz um PIB Supremo, é um indicativo de que ali é um lugar que se faz política.

Para o bem da democracia brasileira, não podemos acreditar que um poder oriundo do voto é menos confiável que um poder que não tem na sua origem o sufrágio. Isso é perigoso, é uma questão da cultura brasileira sobre a qual precisamos dialogar.

Q – Reforma política. Lista fechada, cláusula de barreira. O parlamento federal quer impedir o acesso do brasileiro à democracia?
MF – O parlamento já impede faz tempo. O último exemplo desse Congresso é assustador porque você vê as ruas dizendo uma coisa e o parlamento decidindo outra. É como se nada estivesse acontecendo. De acordo com a última pesquisa DataFolha, sete em cada 10 brasileiros são contra a reforma da Previdência e o Congresso segue acelerando a tramitação. É um Congresso que não tem nenhum compromisso com a ideia de representatividade, reforçando aquela crise apontada em 2013. Há um reforço daquele vácuo, daquele abismo entre população e poder representativo.

Acho a lista fechada uma tragédia nesse momento porque dará às burocracias partidárias um poder de decisão que é incompatível com a conjuntura que estamos vivendo, e a cláusula de barreira não pode servir para impedir partidos com ideologia de existirem, que é o que se pretende. Sempre propus uma coisa muito simples para acabar com partidos aluguel: não permita que nas coligações se aumente o tempo de TV. Faça as coligações acontecerem por programa, por ideologia, e não por tempo de TV. Desta forma, você corta o mercado das siglas.

Q – Como o PSOL tem se articulado para seguir existindo após essa reforma política? Vai se unir a outros partidos, vai passar a participar do mercado da corrupção?
MF – É impossível participarmos do mercado da corrupção. A origem do PSOL, em 2005, é justamente no sentido não aceitar determinadas regras. Acho que conseguimos passar pela cláusula de barreira, mas precisamos saber qual é a reforma que será aprovada. Se passar a cláusula de barreira que fala em nove estados com 1,5% dos votos, provavelmente conseguimos, mas se for aprovada a proposta que exige 2% dos votos em pelo menos 14 estados, fica difícil para o partido.

Se o PSOL não conseguir ficar fora da cláusula de barreira, quem perde não é o partido, mas a democracia brasileira. Somos um partido que contribui muito para democracia, nossos mandatos são fortes, o PSOL tem vida de juventude, tem formação política, posicionamento, ideologia, programa. O PSOL não é um problema para a democracia brasileira, pelo contrário. Marcelo Freixo 3

Q – É notório que temos um Presidente da República letrado, escritor, poeta. Esse diálogo de teor altamente republicano de Temer com Joesley Batista, sócio da JBS, pode virar carta ou poesia nas mãos da oposição?
MF – Tomara que não vire uma poesia do Temer. Eu estava brincando mais cedo, apesar de o espaço não permitir brincadeiras, mas o Temer será o primeiro presidente cassado não pelo que disse, e sim pelo que escutou. Só no Brasil que, numa escuta telefônica, o que denuncia alguém não é o que se fala, mas o que se ouve. Um presidente da República recebendo um corrupto dizendo que está comprando a República inteira e não diz nada. Ao não dizer nada, ele se incrimina. O grande segredo do silêncio não era do [Eduardo] Cunha, ele vai cair pelo próprio silêncio.

É inusitado, assim como é inusitado o Aécio justificar o dinheiro que recebeu para pagar as custas do processo que sofre na Lava Jato. O cara é acusado de corrupção pela Lava Jato e pega dinheiro com corruptor para se defender no processo em que é acusado de corrupção. É maravilhoso, não dá pra competir com House of cards ou com Porta dos Fundos.

Q – A carreira política do Aécio Neves virou pó?
MF – O que eu recebi de piadinhas sobre Aécio no WhatsApp é surreal, mas acho que ele acabou e já devia ter acabado há muito tempo. O Aécio é um anel que será cedido para se manter a mão. O que ele fez não me parece menos grave do que fez o Delcídio [do Amaral, ex-Senador cassado], com provas muito contundentes. Tem vídeo, gravação de áudio, notas marcadas, rastreadas, é inquestionável. Mas tem de se prestar atenção porque a prisão do Aécio, se vier a acontecer, o que acho inevitável, pode servir como álibi, pode legitimar a prisão de outras pessoas.

Q – O ex-presidente ilegítimo em exercício Michel Temer comprou o impeachment, carne de cordeiro para o avião e o silêncio do Eduardo Cunha. O que ele ainda pode comprar?
MF – Talvez ele possa comprar carne da Friboi. Essa história da Friboi, aliás, é maravilhosa, tinha de haver um livro sobre isso porque é a história da República. É uma empresa que cresce 40 vezes desde que foi criada, que está no eixo central do processo de corrupção, das relações do capital com a corrupção e o poder, que financiou campanhas de mais de 20 partidos, e é uma empresa que, a serviço da Procuradoria Geral, grava o Presidente da República à noite em sua casa denunciando o esquema de corrupção de uma República inteira.

Compra dólares já sabendo que sua denúncia geraria um desequilíbrio do câmbio e elevaria a cotação da moeda; nessa operação, ganha dinheiro mais que suficiente para pagar a multa estipulada pela Justiça e ainda tem o direito de ficar em liberdade, fora do país. Então temos mais um mercado de aplicação que é a delação premiada.

O Temer se mantém na presidência até hoje negociando, ganhando tempo para não ser preso. O Temer está descartado, ele não é mais Presidente.

Q – A queda do Temer pode criar uma nova iguaria na culinária brasileira: a coxinha de mortadela. Qual é a receita para se fazer política no Brasil?
MF – O Temer já caiu, a questão é como vai cair, mas agora a pauta principal é a garantia das eleições diretas. Estou falando isso porque o golpe não começa e nem termina com Temer, ele é um instrumento. O que está em disputa é um modelo, as reformas são a essência, a razão de ser do golpe. Não à toa os meios de comunicação estão dizendo que a equipe econômica não pode mudar por que o projeto, o modelo de economia adotado não pode ser alterado.

Por isso a disputa de eleições diretas hoje é a disputa central do modelo. Um novo governo eleito, mesmo que por um ano, interrompe o processo do golpe, é fundamental para se estabelecer a democracia. A luta da esquerda hoje tem de ser unificada para que tenhamos eleições diretas já. E o que se faz em um ano, qual é o programa de governo para um ano? Radicalizar uma transparência política, ampliar a participação popular? O que é possível fazer na economia para se gerar empregos em um ano? O que é possível fazer na política de juros, na saúde, na educação em um ano?

E aí cada força política, da esquerda e da direita, vai propor um projeto para um ano, mas um determinado projeto, que é resultado de um golpe, se interrompe. O nosso esforço é fazer com que a PEC das diretas já seja aprovada. A velocidade da PEC é a velocidade das ruas. Vamos ver qual é o tamanho da pressão das ruas, por isso a passeata do dia 18 foi importante. A decisão não pode ficar no TSE porque vai gerar margem de interpretação e, mais uma vez, ela coloca uma decisão política no Judiciário. Essa é a pauta fundamental para não cairmos na coxinha de mortadela.

ENTENDA MAIS SOBRE: ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo