Alberto Villas

villasnews@uol.com.br

Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

O último encadernador

Jurandir era, até o mês passado, encadernador. Acabo de receber um e-mail dele me informando que fechou o negócio, por falta de clientes

O último encadernador
O último encadernador
Foto: Arquivo Pessoal
Apoie Siga-nos no

Sei que muitas profissões sumiram do mapa. O lanterninha do cinema, a atriz de rádio, o arquivista, o datilógrafo, o leiteiro, por exemplo. Outras profissões estão com os dias contados. O cobrador de ônibus e a caixa do supermercado não duram muito. E, um pouco mais tarde, com a automatização dos prédios, os porteiros vão ter de procurar outro trampo.

O Jurandir era, até o mês passado, encadernador. Na verdade, era o meu encadernador. Aquele que encadernava minhas coleções da Geo, da L’Histoire, da Philosophie, da Ulysse, da Superinteressante. E, em outros tempos, encadernou a Planeta, a Realidade, a Actuel, a História Viva, a Argumento.

Era o Jurandir que, ultimamente, colocava ordem nas minhas Piauí, nas minhas Quatro cinco um. Digo era porque acabo de receber um e-mail dele me informando que fechou o negócio, por falta de clientes. Se ele era o último encadernador, eu era o último cliente. Parti pra outra atividade, disse ele. Não sei qual, mas vou perguntar.

Jurandir herdou a encadernadora do Mário, um japonês que também partiu pra outra atividade, quando percebeu que as pessoas não estavam mais encadernando nada. A não ser TCCs em gráficas que fazem o serviço em cinco minutos.

O Mario era aquele que sabia tudo da minha vida porque encadernava os Cadernos da Família. Ele e o Jurandir eram encadernadores à moda antiga, tudo manual, devagar e no capricho. Eram verdadeiros artesãos.

Confesso que me baixou uma tristeza imensa no coração, o e-mail do Jurandir. Era como se o Ricardo Kotscho me mandasse uma mensagem dizendo que não vai mais mexer com jornalismo, se o Gil me mandasse um zap dizendo que desistiu da música e o Renzo Piano me ligasse da Puglia dizendo que abandonou a arquitetura.

Sem saber o que fazer com as revistas que estão aqui para serem encadernadas, pedi socorro ao Jurandir. Ele me passou um endereço, mandei uma mensagem e a resposta foi: este tipo de encadernação não fazemos mais.

Aí mergulhei no Google. Encadernação, bairro da Lapa, São Paulo. Uma a uma estão me respondendo que não encadernam mais revistas. Eu continuo aqui sem saber o que fazer.

Sinceramente, acho que vou contratar um almoxarife aposentado pra organizar minhas coleções, pelo menos ir separando por ano. Um almoxarife que deve estar por aí procurando outra atividade.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo