

Opinião
O último bastião de Bolsonaro
O simbolismo da prisão do ex-ministro Milton Ribeiro é devastador para o marketing bolsonarista e suas manobras de distração no debate eleitoral


A prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro representa uma tragédia simbólica para o bolsonarismo muito maior do que o fato em si. A troca de recursos públicos por barras de ouro, mediada por pastores em um gabinete improvisado num hotel de Brasília, seria por si só um fato suficientemente escandaloso. Assim como outros tantos casos de corrupção nos últimos quatro anos: superfaturamento de tratores com dinheiro do orçamento secreto, propina para a compra de vacinas na pandemia, gastos inexplicáveis com o cartão corporativo da presidência etc. Sem falar nos escândalos familiares, como a “rachadinha” dos filhos, a mansão de 6 milhões de reais ou o cheque de 89 mil do miliciano Fabrício Queiroz à primeira-dama. (Nota da redação: Na quinta-feira 23, a Justiça mandou soltar o ex-ministro).
Até aqui não havia, porém, uma prisão de alguém do alto escalão bolsonarista. E a máquina de propaganda do governo conseguia tratar, ao menos para os convertidos, os vários escândalos como se fossem fake news ou acusações infundadas. A prisão de Ribeiro, por quem Bolsonaro disse que colocaria “a cara no fogo” após as acusações, tem um efeito simbólico capaz de criar fissuras na sua própria base e desmoralizar o último discurso que o bolsonarismo conseguia repetir, mesmo que de forma fraudulenta: o governo de quatro anos sem corrupção, o histriônico “quero ver me chamar de corrupto” e todo o blablablá furado sobre a honestidade de um presidente miliciano. Isso não era pouca coisa para o discurso moral bolsonarista.
Diferentemente de seus parceiros da extrema-direita do norte global, Bolsonaro não se elegeu com base na criação de um inimigo externo. Donald Trump ganhou nos Estados Unidos culpando os imigrantes latinos pelo desemprego e os chineses pela desindustrialização do Meio Oeste. Falava em construir um muro na fronteira com o México e fazer a “América grande de novo”. Com ligeiras mudanças terminológicas, essa foi a base da ascensão da extrema-direita na Europa e foi o sentimento mobilizado no Brexit para tirar o Reino Unido da União Europeia. No Brasil, a imigração não é um tema nacional e a China segue a ser a maior parceira comercial, apesar de rompantes verbais.
A onda que elegeu Bolsonaro em 2018 foi a exploração do combate à corrupção e a antipolítica. “Vamos acabar com a mamata”, “vamos mudar tudo o que está aí”, “se gritar pega Centrão, não fica um” – repetiam durante a campanha eleitoral. Isso animou e coesionou a base social bolsonarista, não somente nas eleições, mas durante o governo. É bem verdade que, quando Bolsonaro entregou anéis, dedos e mãos para o Centrão, esse discurso já havia ficado empoeirado e vazio, mas foi vendido como uma concessão necessária para a permanência no governo.
Agora, a prisão de Ribeiro efetuada pela Polícia Federal, com forte elemento probatório, desmonta aquele que seria o último, embora frágil e hipócrita, argumento bolsonarista para as eleições deste ano. A estratégia era tentar reeditar o sentimento lavajatista contra Lula e o PT, contrapondo duas imagens falsas: a de um governo de corruptos contra um governo sem corrupção. Não adianta Bolsonaro vir agora a público dizer que essa é uma questão do ex-ministro, que ele tem que se explicar… Tarde demais. Havia antes colocado não a mão, mas a cara no fogo por ele. Mais do que isso, o próprio Ribeiro foi flagrado numa gravação a dizer que a atuação dos pastores corruptos havia sido pedida a ele diretamente pelo presidente da República. Bolsonaro está envolvido no escândalo até o pescoço.
Isso permite que a agenda das eleições de 2022 seja colocada em seu devido lugar, o debate dos temas que afetam a maioria do povo: desemprego, inflação, fome, desigualdade. A comparação que o eleitorado fará será entre um governo que tirou o Brasil do mapa da fome contra aquele que nos levou a 33 milhões de famintos, entre um governo que praticamente zerou o desemprego e aquele que nos manteve em níveis dramáticos de desemprego e informalidade, entre um governo que criou inúmeros programas sociais de inclusão e distribuição de renda e aquele que nos levou ao pior nível de investimento dos últimos 50 anos. E que, além de tudo, fez voltar a inflação e desestruturou – vejam vocês – as políticas e órgãos de combate à corrupção.
O simbolismo desta prisão é devastador para o argumento bolsonarista e para suas manobras de distração no debate eleitoral. É a queda do último bastião de seu discurso. Agora é não perder o foco da agenda que precisa ser levantada e, em outubro, virar a página deste pesadelo. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1214 DE CARTACAPITAL, EM 29 DE JUNHO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O último bastião de Bolsonaro”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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