Diversidade

O poder de realizar de Pai Rodney de Oxóssi

Lançamento de livro marca um mês de agosto de intensa mobilização política e religiosa do babalorixá conhecido do público de CartaCapital.

Pai Rodney de Oxóssi. Foto: Rodrigo Trevisan Dias.
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A emoção pela magia no ar era comum no Espaço Feminismos Plurais, na Alameda Tupiniquins, nº 343, em Moema, Zona Sul de São Paulo. Esse espaço que já está cravado na história da cidade é um lugar de atendimento completo de mulheres, mas também de eventos culturais marcantes. Nessa última sexta-feira, centenas de pessoas tomaram-no e se espalharam pela calçada para ouvir, abraçar e pegar um autógrafo de Rodney William, o famoso Pai Rodney, babalorixá amado e dono do dom das palavras, que lançou naquela noite a obra “Axé – o Poder de Realizar: mensagens para mudar seu dia”, com palavras de sabedoria ancestral para serem companhias de todas as horas.

O livro estreia a série Okàn Dúdú, voltada à publicação de livros sobre as religiões de matriz africana. A série integra o Selo Sueli Carneiro, iniciativa coordenada por Djamila Ribeiro e publicado na Editora Jandaíra. Juntas, Djamila e Jandaíra tem feito história no mercado editorial de modo incontornável: já são centenas de milhares de livros vendidos pelo Selo, em especial pela Coleção Feminismos Plurais, que tem difundido pensamento negro brasileiro nos mais variados espaços do país, transformando bibliografias, debates e, sobretudo, consciências.

A Série Okàn Dúdú é a mais nova filha desse Selo mágico. Seu nome foi sugerido pelo próprio Pai Rodney e expressão com exatidão aquilo que faz da matriz de pensamento candomblecista fonte de inesgotável sabedoria. Isso porque, conforme explicou o babalorixá na sua fala, em yorubá as palavras coração e consciência são a mesma. A divisão entre racional e emocional, tão presente na matriz europeia de pensamento, não existe aqui. Somos tudo ao mesmo tempo, não faz sequer sentido dividir. Sob as bençãos de Pai Carlinhos e Mãe Vivian, seus sacerdotes, Pai Rodney fez a fala cujas palavras fortaleceram o público para seguirem firme na caminhada.

“Eu gosto de lembrar sempre que ancestralidade para nós é um conceito político, portanto é importante que todas as pessoas que abraçam uma tradição de origem africana, que abraçam uma religião negra, saibam de seu compromisso com a luta antirracista e que esse espaço se faz como uma extensão de todos os territórios de resistência do povo negro, inclusive do terreiro de candomblé”, afirmou Pai Rodney.

Pai Rodney no lançamento de Axé – o Poder de Realizar. Fotos: Rodrigo Trevisan Dias.

Enquanto a noite corria e ninguém via o tempo passar, um verdadeiro mercado tomava aquele Espaço, que, vale anotar, é dedicado a Iansã. Oxóssi, Orixá dono da cabeça de Pai Rodney, é o Orixá Rei Caçador, que traz a fartura para seu povo. Um lançamento de seu filho dileto não poderia acontecer sem que essa sua característica tão primeira não se fizesse presente de forma definitiva. Ali estavam barracas de drinks de whisky, uma das bebidas favoritas de Exu, orixá da comunicação de quem Pai Rodney é melhor amigo, além de água de coco, cerveja, água, refrigerante, mesa de doces, buffet e tudo mais o que tinham direito, inclusive sorteio de brindes de uma rede de hotéis que fez a compra de 50 exemplares para as primeiras pessoas que chegassem. Foi um axé!

O público de CartaCapital está habituado com suas palavras precisas, uma vez que por anos ele as imortalizou na coluna Diálogos da Fé. Como um filho insistente (às vezes chato, confesso), fico provocando para que ele volte ao espaço, tamanha saudade dos leitores e leitoras. Mas a verdade é que Pai Rodney está em plena produção literária e de malas prontas para a França, onde fará junto com Djamila Ribeiro a turnê internacional de lançamento de Apropriação Cultural, uma obra prima sua que integra a Coleção Feminismos Plurais e tem sido um sucesso no país, sendo adotada em programas de pós-graduação da Sorbonne, entre tantos outros.

Testemunhar os feitos de Pai Rodney e Djamila Ribeiro, duas pessoas de Oxóssi, é mais uma certeza de que vivo em tempos memoráveis. No segundo domingo desse mês de agosto, no Dia dos Pais, ambos estrelaram uma campanha da Johnnie Walker para falar da paternidade em um sentido candomblecista. Quando que imaginaríamos duas pessoas negras falando de Candomblé nesses espaços, emocionando pela mensagem e pelo pioneirismo do gesto? Um feito histórico.

E apenas de passagem, permitam-me dizer o quão linda a capa dessa semana da revista CartaCapital com Djamila Ribeiro. No interior da matéria, em entrevista conduzida de forma primorosa pela colega Ana Paula Sousa, a história a pensadora, ativista, empresária, múltipla e pop é contada com registros belíssimos. Em um deles, Djamila e Pai Rodney vestidos de santo anunciam publicamente sua fé.

Falando nisso, o lançamento do livro, a campanha e a capa seriam o bastante para esse texto, mas a verdade é que esse mês de agosto foi histórico em vários sentidos na trajetória desse lindo Babalorixá do Reino de Ketu. Durante os três primeiros domingos, Pai Rodney e a comunidade do Ilê Obá Ketu Axé Omi Nlá foi de branco à Avenida Paulista arrecadar as contribuições da festa do orixá Omulu, em um ritual que é conhecido como Sabejé, o cortejo da grande festa do Olubajé. Djamila Ribeiro, em sua última coluna para a Folha de S. Paulo, contou sobre a magia desse momento: “Além de um ato religioso, trata-se de um ato político da mais alta importância (…). Na frente do Masp, os atabaques foram posicionados e a saudação a Exu deu início à dança, enquanto o povo se banhava de pipoca”, escreveu.

Medir a importância simbólica da comunidade de branco no centro financeiro do país é possível a partir da repercussão no povo de axé. No lançamento de sexta-feira, a primeira pergunta a pai Rodney foi de uma mulher com esperança: “eu vi recentemente uma ação na Paulista em que vocês estiveram. Então minha pergunta é justamente essa: nós que somos do axé vivemos muito tempo com medo, ainda mais agora nesse momento de intolerância religiosa, também vivemos o momento de se omitir do sagrado. Chegou o momento de nós do axé realmente professar a nossa fé e ir adiante?”

Para quem acompanha os passos do Rei Caçador, o orixá da esperança, a resposta é sim. Pai Rodney termina esse mês de agosto histórico em sua vida com as celebrações do Olubajé, a grande festa de Obaluaiyê nessa segunda-feira, 29, às 12h, pedindo para que ele leve embora todas as doenças do corpo e da sociedade, sociedade esta que tem nesse líder espiritual um exemplo de disposição, conduta e sabedoria.

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