Opinião
O despertar da sociedade civil
A reação contra o golpismo criou uma frente informal e quase espontânea em defesa da democracia. Mas isto não basta para deter Bolsonaro e seus fiéis
No começo, foram cerca de 70 entidades da sociedade civil, incluindo algumas de categorias de servidores públicos, a exemplo do Ministério Público e da Polícia Federal, que reagiram contra o ato de traição de Bolsonaro ao convocar embaixadores de outros países para atacar as instituições democráticas e as eleições. Em seguida, veio a reação da diplomacia americana e de outros países, manifestando apoio ao processo eleitoral e à Justiça. Depois veio a avalanche desencadeada pela carta da Faculdade de Direito da USP. São mais de 600 mil signatários, mas o mais importante é a pluralidade dessas assinaturas e o fato de que milhares delas representam entidades organizadas da sociedade civil. O fato de a Fiesp e a Febraban se manifestarem em apoio ao processo eleitoral e à democracia também tem um peso político muito significativo, por se tratar de um dos segmentos que vinham apoiando Bolsonaro.
Este despertar das entidades civis provocou o isolamento político de Bolsonaro no contexto da sociedade organizada e de suas instituições. A sociedade organizada emitiu um sinal claro de que não aceita uma interferência golpista do presidente ou de quem quer que seja no processo eleitoral. Trata-se de uma reação necessária à naturalização das atitudes antidemocráticas de Bolsonaro e seus seguidores. A reação contra o golpismo criou uma frente democrática informal e quase espontânea em defesa da democracia e das eleições. A quantidade de pessoas que se engajou espontaneamente causou surpresa em lideranças sociais e políticas.
Esta surpresa tem sua razão de ser, por alguns motivos. O primeiro é que a sociedade civil era um sujeito ausente da política brasileira. Foram anos de apatia e até de indiferença em relação aos destinos do País. Somente a brutal política de desmanche das instituições democráticas, da Ciência, da Cultura, da Educação e da Saúde conduzida por Bolsonaro abriu os olhos dos representantes sociais quanto à necessidade de agir e de dar um basta. A desmoralização do Brasil perante os embaixadores estrangeiros fez virar a chave, empurrando a sociedade para a ação.
O segundo motivo é que a oposição parlamentar e partidária foi incapaz de ser eficiente contra Bolsonaro. As Casas congressuais foram transformadas em cúmplices do presidente. E a oposição, com raras exceções, tornou-se cúmplice da política de terra arrasada de Arthur Lira.
O cenário político brasileiro mostra que Bolsonaro foi longe demais na sua política destrutiva e de ameaças à democracia. A sociedade como um todo estava e ainda está perplexa com a apatia das lideranças sociais e políticas. As reações espontâneas só ocorrem quando os líderes não cumprem o seu dever de dirigir, imprimir rumo e sentido aos acontecimentos políticos e sociais. Bolsonaro vinha ocupando o espaço abandonado pela oposição e pelas lideranças sociais.
Mas, se houve um despertar, falta dar movimento às iniciativas ocupando as ruas. Bolsonaro as ocupará no dia 7 de setembro, buscando reforçar sua estratégia de intimidação e de ataque ao processo eleitoral. O que farão as oposições? A sociedade democrática e os ativistas sociais esperam uma resposta. As manifestações das entidades organizadas, as declarações das diplomacias de diversos países em defesa das eleições e das urnas eletrônicas, o despertar da sociedade civil por meio dos manifestos e até mesmo a sinalização de integrantes dos comandos das Forças Armadas indicam que Bolsonaro não terá apoio para dar um golpe. Não há nem condições internas nem internacionais para isso.
É preciso, porém, atentar a um aspecto: não vai ter golpe, mas isso não significa que não haverá uma aventura golpista por parte de Bolsonaro e dos bolsonaristas. Uma aventura à Donald Trump, mas talvez dirigida contra os tribunais superiores: o STF e o TSE. Existem quatro formas de inibir essa aventura: 1. Deixar claro que seus líderes e os que cometerem crimes serão presos. 2. Aumentar a ofensiva em de defesa da democracia e das eleições, ampliando o isolamento político de Bolsonaro. 3. Mobilizar a sociedade com atos e eventos em defesa da democracia e das eleições. 4. Montar esquemas de segurança, principalmente em Brasília, para proteger os tribunais e outros possíveis alvos dos aventureiros. O bolsonarismo precisa ser intimidado e dissuadido pela reação da sociedade organizada. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1220 DE CARTACAPITAL, EM 10 DE AGOSTO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O despertar da sociedade civil”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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