Aldo Fornazieri

Doutor em Ciência Política pela USP. Foi Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), onde é professor. Autor de 'Liderança e Poder'

Opinião

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O democrata de ferro

Alexandre de Moraes atuou com o rigor necessário para deter o avanço autoritário. Ataques à democracia exigem respostas duras

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Passadas as eleições, ao menos metade dos brasileiros foi tomada por uma onda de alívio com a derrota de Bolsonaro nas urnas. O ambiente político sofreu uma despressurização significativa, embora não completa. Os bloqueios em rodovias, os atos antidemocráticos em frente a quartéis do Exército, as pregações golpistas e apocalípticas de pastores evangélicos não permitem um sossego completo nem mesmo que se baixe a guarda.

Alguns erros retóricos e declarações desnecessárias no âmbito da transição do governo acrescentaram a impressão de que o futuro não será fácil, de que o jogo de pressões e barganhas políticas será intenso, de que os espertos estarão à espreita para abocanhar robustos nacos do orçamento. Todo o cuidado é pouco. Tanto a equipe de transição quanto os futuros integrantes do governo terão de se munir de prudência, de senso de responsabilidade e se guiar pela noção de momento oportuno. Sem essas virtudes, por vezes ao querer se anunciar o justo retoricamente, se produz o dano. A estridência e as veleidades arrogantes precisarão ser postas de lado.

Olhando as eleições com distanciamento, uma conclusão perturbadora se impõe: elas dependeram em elevado grau dos tribunais superiores – TSE e STF – e de seus ministros, especialmente de Alexandre de Moraes. A realização tranquila das eleições seria prova de que as instituições democráticas funcionam. Mas a aparência parece ser enganosa.

A própria constatação de que a realização das eleições dependeu de dois tribunais e de poucas pessoas atesta a fragilidade da nossa democracia. O raciocínio hipotético de que se Bolsonaro tivesse tentado um golpe no 7 de Setembro ou no contexto das eleições não teria encontrado resistência organizada é uma plausibilidade que encontra respaldo no ambiente e nas circunstâncias em que esses dois eventos se desenrolaram.

A robusta resistência oferecida pelos ministros dos tribunais e por Moraes às investidas contra as eleições prova que, em certas conjunturas, a democracia é salva mais pela coragem de alguns do que pela densidade das instituições. Isso tanto é verdade que algumas decisões desses poucos juízes foram criticadas por juristas e por setores da imprensa democrática por, supostamente, terem ferido a democracia e a liberdade de opinião.

Em suas explicações à imprensa, em palestras e conferências e nos seus despachos decisórios, ministros dos tribunais têm se feito a seguinte pergunta: é lícito permitir que, em nome da liberdade, se destruam a democracia e a própria liberdade? A resposta tem sido peremptória e acertadamente um não! Na mesma linha, Norberto Bobbio tinha dado um tiro certeiro: a maioria não pode suprimir a regra da maioria na democracia.

A democracia brasileira vem sendo alvo de ataques com vistas a implantar uma ordem de exceção. Ataques vindos de Bolsonaro, do procurador-geral Augusto Aras, a defender as ações contrárias à República. Agressões de corporações policiais, a exemplo da PRF, convertida em polícia política. Ataques de autoridades públicas, que estimulam o crime contra aqueles que deveriam proteger. Ataques de um ministro do TCU incitando o golpe, de amotinados nas rodovias e na porta de quartéis.

Em momentos excepcionais como este que estamos vivendo, a democracia não sobrevive apenas pela existência das regras e normas. As autoridades democráticas, particularmente os tribunais, precisam agir de forma extraordinária para conter o ataque autoritário. A excepcionalidade precisa atacar a excepcionalidade. Quando os pesos e contrapesos deixam de funcionar em consequência da quebra da normalidade do jogo democrático, é necessário que intervenha a excepcionalidade pessoal das autoridades para defender a democracia. Nos termos do constitucionalismo norte-americano, “a ambição precisa poder atacar a ambição”.

Em seus movimentos de recuo após a derrota, o bolsonarismo vai deixando terrenos minados no solo da democracia brasileira. Para limpar as áreas não bastam apelos idílicos à pacificação. A desordem e a baderna precisam ser enfrentadas com rigor da lei e pela ação da força pública. Não basta também terceirizar a responsabilidade da resistência a Moraes e aos tribunais. Os partidos e a sociedade civil precisam se mobilizar contra o golpismo que procura se rearticular com ações ilegais. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1236 DE CARTACAPITAL, EM 30 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O democrata de ferro”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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