Frente Ampla

O cinismo do pária ambiental

Somente ações efetivas devolverão credibilidade ao país na agenda ambiental, e não apenas um breve ‘discurso para inglês ver’

Bolsonaro discursa na Cúpula do Clima de 2021 (Foto: Reprodução/Leaders Summit)
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O Brasil foi à Cúpula de Líderes Sobre o Clima levando na bagagem recordes de desmatamento, desmonte da governança ambiental, enfraquecimento da fiscalização e perseguição a servidores de diferentes órgãos do governo ligados ao meio ambiente. O encontro, promovido pelo presidente dos EUA, Joe Biden, teve a participação de quarenta países com o objetivo de fortalecer os compromissos assumidos no Acordo de Paris referentes às mudanças climáticas: impedir a elevação em 1,5ºC da temperatura média do planeta neste século.

A intervenção do Brasil no encontro, com o discurso lido pelo presidente Bolsonaro, foi recebido com um misto de descaso – o presidente Joe Biden não estava presente no momento – e descrédito, pois a apresentação de metas ousadas de redução de emissões e pedido de apoio financeiro às nações ricas é frontalmente contraditório com as práticas do governo que sistematicamente vem enfraquecendo os órgãos de controle ambiental, praticamente impedindo a fiscalização, a autuação e recolhimento de multas, além de sabotar a aplicação dos recursos do Fundo Amazônia. Aparentemente tentou ludibriar a opinião pública internacional, mas o “mundo não é enganável” como disse o embaixador Marcos Azambuja em recente entrevista.

Daí que todas as análises do posicionamento do Brasil concordam que o país terá que demonstrar na prática a adoção dessa nova postura retórica apresentada na cúpula.

Por exemplo, a alegada falta de recursos para aplicação da legislação ambiental foi ocasionada pelos seguidos cortes orçamentários para projetos e outras ações de manejo e conservação e não à incapacidade do Estado em gerir o patrimônio ambiental brasileiro.

Outro dado da realidade que confronta a participação oficial brasileira no evento é o aumento do garimpo em terras indígenas e toda destruição associada à atividade. O governo não esconde suas intenções de expandir a mineração para estes territórios sob o argumento de levar desenvolvimento e riqueza às populações. Entretanto, não leva em conta as particularidades de cada bioma e comunidades nele estabelecidas, patrocinando um modelo de desenvolvimento antiquado e sem explorar as possibilidades de uma economia verde.

O governo bem que se esforçou para convencer os demais líderes presentes, mas a inexistência de medidas concretas para frear a devastação ambiental no Brasil dificultam o convencimento de outras nações, reforçando a nossa atual condição de pária internacional. A derrocada brasileira assusta e preocupa o planeta, receoso dos impactos globais do desmonte das políticas públicas voltadas ao meio ambiente. Espera-se ação imediata do governo brasileiro sob pena de o discurso apresentado na Cúpula de Líderes ser ainda mais descredibilizado.

A busca por um tom conciliatório durante o encontro evidencia que o governo começa a perceber o isolamento a que foi levado em face dos retrocessos ambientais da atual gestão. Mais uma vez, a condição de pária nos coloca como coadjuvantes em debates importantes, bem como dificulta o acesso do Brasil a crédito internacional para aplicação em programas e ações em defesa do meio ambiente. Como obter financiamento se acumulamos repetidos recordes de desmatamento e devastação ambiental? No caso, impera o ceticismo.

O descrédito se completa, em especial quando se identifica na figura de Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente, responsável por debater, propor e implementar essa “nova diretriz” de políticas públicas da área ambiental. Por uma coincidência do destino, a cúpula ocorreu exatamente um ano após aquela reunião na qual o anti-Ministro sugeriu aproveitar o contexto de caos da pandemia do novo coronavírus para “passar a boiada” no quesito ambiental.

Foi uma vã tentativa de tentar demonstrar às nações que este governo pode vir a firmar qualquer compromisso com o desenvolvimento sustentável e com o futuro do planeta. Somente ações efetivas devolverão credibilidade ao país na agenda ambiental, e não apenas um breve “discurso para inglês ver”.

O governo bem que se esforçou, mas a inexistência de medidas concretas para frear a devastação ambiental dificultam o convencimento de outras nações

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