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O caso de amor entre os bancos e a Lava Jato

A má vontade dos arcanjos purificadores da força tarefa com investigação de banqueiros é algo digno de nota

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Qual a reação que se esperaria dos membros da Lava Jato diante de um delator que diz ter em mãos informações sobre maracutaias de todo tipo? Ouvir o que ele tem a dizer, no mínimo. Mas e se houver o risco do seu depoimento ir de encontro aos interesses particulares dos lavajatistas?

A situação não é inédita. Nas vezes em que aconteceu, prevaleceram os caprichos dos integrantes do MPF, sedentos para que seus desejos inconfessáveis fossem referendados pelos delatores. Na Lava Jato, o que é factível se torna brinde.

O exemplo de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, é emblemático. Após negar por duas vezes que Lula seria dono do tríplex do Guarujá, mudou sua versão e passou a acusar o ex-mandatário – mas só depois de passar alguns meses preso e ter sua pena aumentada em dez anos. Acabou que teve a condenação reduzida para três anos e seis meses em regime semiaberto.

Pinheiro não era de confiança, mas isso não o impediu de ser ouvido. Assim como o doleiro Alberto Youssef, detentor de uma ficha que inclui mentiras em sua delação ainda no caso do Banestado.

Léo Pinheiro fez uma delação e não deu certo. Mudou seu conteúdo e foi aceita, um milagre! Foto: Reprodução

Após seu depoimento, foi beneficiado pela progressão de regime, indo para o aberto. Deltan e seu clube de neopentecostais do direito estão sempre abertos a todos os pecadores que desejam se redimir.

Mas mesmo redentores possuem seus intocáveis. Nos momentos em que as veredas sinuosas da Lava Jato a fazem desembarcar no quintal de alguém considerado aliado, como FHC, a vista grossa vai da prevaricação à orientação (no caso, dada pelo próprio Sérgio Moro). E quando o desembarque se dá no jardim dos bancos, fica claro que ostentam uma posição de destaque nessa seleta lista de não-melindráveis. Nem que para isso seja necessário ignorar um delator disposto a colocar banqueiros na reta das investigações.

Ainda em 2017, Antonio Palocci se dispôs a indicar a Sérgio Moro o caminho das bandidagens envolvendo instituições financeiras. O ex-juiz deu de ombros. Afirmou que as pretensões do ex-ministro soaram muito mais como uma ameaça para que terceiros o auxiliem indevidamente para a revogação da [prisão] preventiva, do que propriamente como uma declaração sincera de que pretendia, naquele momento, colaborar com a Justiça”.

Sequer quis ouvi-lo, desinteresse que se estendeu ao MPF. Advogados do Bradesco e do Itaú não fariam melhor.

Na mesma época, Mônica Bérgamo noticiou em sua coluna na Folha de S. Paulo que a Lava Jato estaria estudando uma maneira de preservar os bancos das consequências da delação de Palocci. A recente revelação do The Intercept Brasil de que Deltan Dallagnol aceitou dar uma palestra clandestina a banqueiros confirma o carinho que a operação nutre por eles.

A ganância sempre supera a prudência

Tudo isso torna impossível não refletir sobre a má vontade dos arcanjos purificadores da força tarefa em investigar uma categoria que observa de cima a terra arrasada da economia nacional. Mais estranho ainda é o fato de terem atuado para protegê-la ao mesmo tempo em que seu chefe participava de um encontro que mais se assemelha a uma visita a uma boca de fumo.  Sinais de que não é bem em combater a corrupção que o ministro Moro e seus ex-subordinados do MPF estão preocupados.

O conforto dos bancos no coração dos lavajatistas não esconde a abundância de motivos para que se dediquem a investigá-los com a mesma gana com que fizeram com políticos e empreiteiras. Entidades do mercado financeiro são responsáveis por abocanhar, ano após ano, aproximadamente metade do Orçamento Geral da União, usado para abastecer o rentismo e pagar uma dívida que só aumenta. Benesses tributárias e demais privilégios contribuem para que ao menos doze do top 20 de bilionários do Brasil venham de bancos.

Em 2018, quarenta e dois brasileiros tinham mais de um bilhão. Em 2019, já são cinquenta e oito.

Paralelamente, a renda do trabalhador mais pobre caiu 20% nos últimos anos. Moro e Dallagnol bocejam para a infinidade de caroços que existem nesse angu enquanto os bancos seguem batendo recordes de lucro mesmo diante do quadro de recessão econômica pelo qual passamos.

Há, portanto, problemas óbvios no fato de Dallagnol, coordenador de uma força tarefa que diz pretender varrer a corrupção do país, ser presença VIP em piqueniques secretos de banqueiros. Bater o telefone na cara de quem convida para uma reunião de submundo como esta é para quem tem alguma dignidade republicana, algo que, se está difícil existir em tese, tampouco encontra espaço nos códigos morais do tenentismo togado da Lava Jato.

Não há raio em céu azul. Outras conversas publicadas pelo The Intercept Brasil ajudam a explicar tamanha receptividade. Deltan e seu colega Roberson Pozzobon almejavam usar suas esposas como laranjas em uma empresa de palestras. Tinham intenções de lucrar aproveitando seu networking e visibilidade. O menino prodígio de Moro disse ter faturado quase R$ 400 mil com palestras e livros em 2018. Entre seus pagadores, está a empresa Neoway, investigada pela própria Lava Jato.

Não precisa de muito para vermos que há mais semelhanças entre banqueiros e lavajatistas do que nossa vã filosofia pode imaginar.

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