Na terça-feira, 26 de abril, o Carnaval fora de época chegou ao fim. Com um enredo em homenagem a Exu, entidade espiritual responsável pela comunicação entre os humanos e os orixás, a Grande Rio, escola de samba de Duque de Caxias, conquistou seu primeiro título do Grupo Especial.
Nos portais de notícias e nos principais jornais, não havia outro assunto. Nas redes sociais, o clima era de festa. As fotos de Demerson D’alvaro, ator que interpretou o orixá cultuado tanto na umbanda quanto no candomblé, ganharam posts e stories. No Twitter, Paolla Oliveira, atriz e rainha da bateria da agremiação, registrou: “Laroyê, Exu!”. De repente, parecia que vivíamos em uma nação macumbeira – ou pelo menos que preza a liberdade religiosa. Mas não é bem assim.
Um dia antes de a representante da Baixada Fluminense sagrar-se campeã, em uma escola municipal de Joinville, cidade de Santa Catarina, uma adolescente de 16 anos tornou-se mais uma vítima do racismo religioso. Umbandista, a garota foi violentamente agredida por uma colega, sob a “justificativa” de que ela “cultuava o demônio”. De acordo com Pricylla Bianchi, mãe de santo e mãe da estudante, a escola agiu com negligência, inclusive, em relação ao atendimento médico, já que a aluna sofreu várias escoriações pelo corpo. Além de registrar um boletim de ocorrência, Pricylla tem contado com a assistência da Comissão de Igualdade Racial da OAB e com o apoio do Movimento Negro Maria Laura, coletivo que atua no combate à discriminação racial na cidade catarinense.
Neste caso, motivado pelo racismo em relação às religiões de matriz africana, ficam evidentes as consequências do ódio disseminado em várias esferas da sociedade – até mesmo em programas de televisão ligados a igrejas neopentencostais. Diuturnamente, essas emissoras usam concessões públicas para detratar umbandistas e candomblecistas, negando-lhes o direito à liberdade de culto, o direito de reverenciar exus, pombagiras, caboclos, marinheiros, boiadeiros, pretos velhos e tantas outras entidades. Tudo isso sob a inércia do Ministério Público e dos demais órgãos responsáveis pela garantia do Estado laico.
Como podemos ver, os discursos de ódio, a discriminação e o preconceito adentram nas instituições de ensino. Há muito, o antropólogo congolês Kabengele Munanga tem alertado para o fato de que os espaços escolares não são os únicos responsáveis pelo combate ao racismo, contudo, constituem peça fundamental nesse processo.
Desde 2003, a Lei Federal n.º 10.639/03 tornou obrigatório o ensino da História e da Cultura Africana e Afro-brasileira em sala de aula. Nesse sentido, espera-se que as escolas hajam com o compromisso de “promover a divulgação e produção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial – descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos – para interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua identidade valorizada”, conforme determina a legislação educacional brasileira.
O silêncio, a indiferença, a negligência têm sido armas eficazes para a perpetuação do racismo nas unidades de ensino. A discriminação ocorrida nesses espaços faz com que estudantes que frequentam terreiros abandonem as salas de aula precocemente em razão da violência moral e física das quais são vítimas, como ocorreu no início desta semana em Joinville. Em se tratando das escolas, só há dois caminhos: agir, promover uma educação antirracista ou ser conivente com a exclusão, com a negação de direitos, com a barbárie.
Laroyê, Exu!
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