Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Nestas eleições, não usarei a camiseta do meu candidato – tenho medo

A atmosfera de ameaça, a institucionalização do ódio e a escalada da violência nos silencia e imobiliza

Rafael Silva de Oliveira, apoiador de Bolsonaro preso após matar Benedito Cardoso dos Santos, apoiador de Lula, por conta de discordâncias políticas — Foto: Divulgação/Polícia Civil
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Para mim, as eleições sempre foram um período de encontros, de ir para as ruas, de pedir votos, de viver a festa democrática.

Em vários pleitos, atravessei a cidade em direção à Praça Sete, região central de Belo Horizonte que reúne comitês de campanhas. Lá pegava bandeiras, santinhos, adesivos de políticos em quem eu depositava minha confiança nas urnas. Em 2022, não tem sido assim.

A camiseta antiga, histórica, do meu candidato à presidência, que ganhei de presente de uma pessoa muito querida, permanece no meu guarda-roupa. Não saiu de lá uma única vez neste ano. Não tenho um só adesivo das minhas candidatas a deputada federal e estadual. Nas redes sociais, ao contrário das eleições anteriores, minhas postagens têm sido bem comedidas, reservadas aos stories que desaparecem em 24 horas. Vez por outra, em momentos de maior euforia, publico algo no feed, mas sempre com alguma apreensão. 

Nestas eleições, eu me junto aos milhares de brasileiros que, segundo pesquisa divulgada pelo Datafolha no início desta semana, revelaram estar com medo de sofrer agressões físicas. De acordo com o levantamento realizado por iniciativa da Rede de Ação Política em parceria com o Fórum de Segurança Pública, 67,5% dos brasileiros temem a violência política. Destes, 3,2% disseram ter sido vítimas de ameaças no último mês. 

Em razão do exposto acima, a maioria dos brasileiros se sente receosa de expressar suas preferências político-partidárias. Melhor dizendo: encontram-se apreensivos em revelar que são signatários dos ideais de esquerda e votam em candidatos ligados a essa corrente ideológica. A atmosfera de ameaça, a institucionalização do ódio, a escalada da violência que tem levado à morte quem não apoia o atual presidente nos silencia e imobiliza.

Motivos não faltam. Na terça-feira, em Salto do Jacuí, cidade do interior do Rio Grande do Sul, o produtor rural bolsonarista Luiz Carlos Ottoni perseguiu o carro de Cleres Relevante, vereadora pelo PT, e bateu propositalmente em sua traseira. O veículo da parlamentar possui adesivo com fotos de cinco candidatos de seu partido, entre eles o ex-presidente Lula. Segundo testemunhas, após a colisão, ele deixou o local em alta velocidade sem prestar socorro às vitimas. Alguns quilômetros depois do local do acidente, o agricultor bateu em um barranco e morreu na hora. 

Na noite de 7 de Setembro, em Confresa, município de Matogrosso, o trabalhador rural bolsonarista Rafael Silva de Oliveira assassinou a facadas Benedito Cardoso dos Santos, apoiador de Lula. Com um machado, Rafael ainda tentou degolar seu colega de trabalho. O jovem de 24 anos foi indiciado por homicídio qualificado. Em julho, o guarda municipal e dirigente do PT Marcelo Arruda acabou assassinado a tiros enquanto comemorava seu aniversário de 50 anos.  Também apoiador de Jair Bolsonaro, o policial penal federal Jorge José da Rocha Guaranho invadiu a festa e fez quatro disparos. Dois acertaram Marcelo, que deixou mulher e dois filhos. 

Embora setores da mídia insistam em dizer que nessas eleições há dois extremos, a pesquisa divulgada pelo Datafolha e os casos relatados aqui mostram que os atos de violência têm sido praticados pelos apoiadores de Jair Bolsonaro, incentivados pelo ódio presente em seus discursos e no de parlamentares ligados a ele. Cada vez mais, pessoas se sentem autorizadas a ameaçar, a matar, a levar em frente um projeto de autoritarismo que contamina toda sociedade e ameaça a democracia. 

Nessa reta final das eleições, sigo recolhida, tomando todos os cuidados possíveis. Tenho medo.

Sonho que tudo isso termine, e as eleições voltem a ser uma manifestação cívica como nos tempos em que expressávamos nossas preferências políticas de maneira segura e democrática.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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