Artigo

Não haverá democracia sem as mulheres negras: um balanço das eleições 2022

Mais do que eleger as lideranças, o projeto teve como finalidade evidenciar o compromisso que as mulheres negras têm com a sociedade brasileira

Foto: Reprodução/Instituto Marielle Franco
Apoie Siga-nos no

Nesta eleição, mais uma vez, nós mulheres negras, estivemos na linha de frente pela manutenção de nossa democracia e pela garantia de direitos da população brasileira. Dessa vez, nosso adversário, ou ainda, inimigo, foi uma força da extrema-direita neofascista organizada, aliada a candidatura do presidente, agora derrotado, Jair Bolsonaro.

Seja em campanha para eleger o Presidente Lula, seja fortalecendo mulheres negras que disputaram uma cadeira nas Assembléias Legislativas e no Congresso Nacional, durante todo esse ano estivemos em ação, pelas ruas, quilombos, favelas e cada território desse país, para apresentar o projeto político de poder das mulheres negras brasileiras. E esse projeto político foi vitorioso.

Nas eleições de 2022, reforçamos, sobretudo, que não haverá democracia plena sem a energia das mulheres negras no processo eleitoral e sem o protagonismo dessas mulheres na política institucional. Mesmo este ainda sendo exaustivo para nós que enfrentamos a hostilidade histórica da política brasileira com aqueles que firmam compromisso com os Direitos Humanos.

A consciência de que a identidade de gênero não se desdobra naturalmente em solidariedade racial intragênero conduziu as mulheres negras a enfrentar, no interior do próprio movimento feminista, as contradições e as desigualdades que o racismo e a discriminação racial produzem entre as mulheres, particularmente entre negras e brancas no Brasil.

O mesmo se pode dizer em relação à solidariedade de gênero intragrupo racial que conduziu as mulheres negras a exigirem que a dimensão de gênero se instituísse como elemento estruturante das desigualdades raciais na agenda dos Movimentos Negros Brasileiros.

Este ano, por exemplo, a nova legislação eleitoral trouxe alguns avanços, mas que se mostraram insuficiente porque falha em assegurar a divisão equânime dos fundos eleitoral e partidário. O fato de pessoas brancas e privilegiadas terem se autodeclarado negras para acessar o fundo repercutiu e foi amplamente debatido, especialmente no estado da Bahia que derrotou a “afroconveniência” do então candidato (derrotado) ao Governo do Estado ACM Neto.

Neste sentido, as parlamentares Benedita da Silva (PT), Talíria Petrone (PSOL) e Áurea Carolina (PSOL) acabam de apresentar na câmara o PL Antonieta de Barros, que visa enfrentar esse tipo de fraude. Porém, constatamos que ainda precisamos adentrar o interior dos partidos para que seja superado o racismo institucional e o subfinanciamento de candidaturas negras.

[Deputados do partido de Bolsonaro são os que mais podem ter fraudado autodeclaração racial; veja lista]

Em uma eleição marcada pela defesa da democracia, mais uma vez verificamos que mesmo no campo progressista ainda precisamos superar muitas desigualdades raciais e de gênero. E a cada eleição nos perguntamos: como e quando o Estado Brasileiro vai se comprometer com a vida das mulheres negras?

No projeto Estamos Prontas, fortalecemos 27 mulheres negras candidatas ao pleito de Deputada Estadual, uma de cada estado do país e do Distrito Federal. Lançamos mão de estratégias de incidência política, mas também de acolhimento dessas lideranças para enfrentar as situações de violência política, assédio e desgaste emocional advindos das intempéries racista e sexistas que marcam a participação de mulheres negras na política.

Até a veiculação deste artigo, não sabemos quem mandou matar e porque a vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes. A família e a sociedade brasileira estão há mais de 4 anos sem resposta.

Em todo o país o número de lideranças negras progressistas eleitas foi menor do que os movimentos sociais projetavam. Porém, avançamos em representação e conseguimos ampliar e projetar o trabalho de nossas lideranças. No projeto Estamos Prontas a soma de votos das candidatas apoiadas chegou a 230 mil. Com destaque para as eleitas Camila Valadão do Espírito Santo, com 52 mil votos, e Laura Sito do Rio Grande do Sul, com 36 mil votos.

Também tivemos votos expressivos para Carmen Silva, de São Paulo, com 25 mil votos, Bia Caminha, do Pará, com 16 mil votos e Adriana Gerônimo do Ceará, com 14 mil votos. Números significativos, porém aquém do potencial eleitoral das candidaturas de mulheres negras e que, em alguns casos, se mostraram insuficientes para garantir uma cadeira no Legislativo.

[Mulheres negras são maior grupo demográfico do país – 28% – e ocupam apenas 2% das cadeiras legislativas]

Cumprimos com a tarefa de fortalecer nossas lideranças para uma estratégia que está muito além desse processo eleitoral. Driblamos o apagamento e a falta de estrutura; ampliamos o alcance de nossas agendas programáticas e defendemos o legado das mulheres negras na sociedade brasileira e na política institucional. Ou seja, mais do que eleger as lideranças, o projeto teve como finalidade evidenciar o compromisso que as mulheres negras têm com a sociedade brasileira.

A leitura que fazemos das Eleições de 2022, portanto, é de que nós mulheres e pessoas negras fomos decisivas nos resultados dessa histórica eleição de 2022. No segundo turno, estivemos nas ruas e lideramos ações em nossos territórios para derrotar o atual presidente, e Lula liderou em intenção de votos entre as mulheres, os mais pobres e entre os negros, de acordo com pesquisas realizadas pelo DataFolha. E, assim, chegamos a vitória com Lula reeleito Presidente do Brasil.

E como esse samba não é de iniciante, vale lembrar que essa luta preta e feminina não começou agora. Honramos nossas mais velhas por abrir caminhos e acreditar que vida segue em frente e nós não vamos mais ficar para trás. #EstamosProntas

Fabiana Pinto é coordenadora de incidência política e pesquisa no Instituto Marielle Franco e co-coordenadora da iniciativa Estamos Prontas. Sanitarista, mestranda em Saúde da Mulher e da Criança

Tainah Pereira é coordenadora política do Movimento Mulheres Negras Decidem e co-coordenadora geral da iniciativa Estamos Prontas. Internacionalista e mestre em Ciência Política

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo