Artigo

Retomada do planejamento é fundamental para a democracia

O Brasil se posiciona globalmente com tal peso que não mais admite a falta de clareza sobre qual nação quer ser

De olho em 2026. Lula se move para consolidar aliança contra o bolsonarismo – Imagem: Valter Campanato/ABR
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Ao final de 2023, abrangendo um conjunto de artigos publicados entre 2011 e 2022, a Fundação Perseu Abramo, em coedição com a Editora Contracorrente, lançaram o livro Ousadia e Transformação: apostas para incrementar as capacidades do Estado e o desenvolvimento no Brasil. Organizado e produzido por José Celso Cardoso Jr. e Leandro Freitas Couto, o livro é um somatório de temas que compõe uma das agendas de pesquisa e assessoramento institucional mais importantes desses profissionais, em torno dos campos do planejamento estratégico, das finanças governamentais e da gestão pública no Brasil contemporâneo.

Como na tradição atual as publicações são praticamente todas isoladas umas das outras e muito efêmeras, eles têm adotado a prática de consolidar seus estudos também na forma de livros. Assim feito, esse tipo de publicação cumpre ao menos dois papéis muito importantes. Primeiro, promove verdadeiro registro histórico de documentos que de outra maneira se perderiam na pressa do cotidiano. Segundo, vistos assim em conjunto, possuem um poder explicativo muito maior – abrangente e aprofundado – que a mera soma das partes que as compõem. Livros assim são, portanto, um belo e importante instrumento de disputa política de narrativas, cujas ideias não se esvanecem com o tempo.

De sua leitura, sobressai a constatação de que inúmeros atores sociais reclamam que os governos não têm conseguido oferecer à sociedade uma visão clara e abrangente dos caminhos que pretendem seguir ou aonde querem chegar. Mas isso vem sendo considerado cada vez mais necessário para se possam se posicionar e mobilizar os recursos (humanos, orçamentários, tecnológicos, simbólicos etc.) que controlam, seja para reforçar a caminhada e validar as suas apostas e objetivos, seja para alterar o roteiro e fazê-lo mais próximo dos seus interesses estratégicos.

Atualmente, o Brasil se posiciona no cenário econômico e político internacional com um peso tal que não mais admite falta de clareza sobre qual nação quer ser em um futuro não longínquo. O estágio socioeconômico até aqui alcançado nos coloca em encruzilhadas que requerem projeto nacional e capacidade de construí-lo, ou seja, requerem planejamento estratégico de alto nível, praticado cotidianamente e reconhecido e tratado como o principal sistema de direção e coordenação governamental. Não se deve esquecer, ainda, a complementariedade necessária ao planejamento de uma política nacional de ordenamento do território, mas que opere em estrito diálogo com o planejamento. Além de necessário, isso pode ser inovador e complementar a um poderoso instrumento de planejamento.

Por tudo isso, a discussão apresentada neste livro dá vazão a um entendimento por muitos compartilhado e, principalmente, a uma comprometida vontade de ver o governo galgar estágios superiores de direcionalidade e eficácia global. Acreditamos que o momento é oportuno, tendo em vista que é no período de transição entre projetos tão díspares entre si, como o sejam o do Governo Bolsonaro em contraposição ao do Governo Lula, que apostas de transformação do Estado encontram ambiente mais propício para obterem a consideração dos dirigentes de alto e médio escalões.

Há aqui, também, um conjunto de propostas críveis a mostrar a viabilidade e pertinência para transformações do Sistema Federal – e mesmo Nacional – de Planejamento. Os meios e recursos para tanto estão, no fundamental, sob controle e direcionalidade do Poder Executivo Federal. Mesmo algumas mudanças legais necessárias apresentam (como mostra a história mais ou menos recente) tramitação legislativa factível. Reforça-se, desse modo, a própria oportunidade das mudanças, ao mesmo tempo que é viabilizada a introdução progressiva de melhorias no funcionamento do sistema.

Na parte sobre planejamento público, o livro resgata sua centralidade política e o requalifica como a função governamental mais importante para o enfrentamento das vicissitudes do presente, bem como para a reconstrução do futuro. Afinal, planejamento é a arte da boa política, é função intrínseca ao processo complexo e dinâmico de governar. Na parte do livro sobre finanças públicas, há uma crítica contundente ao modelo que se vem cristalizando no Brasil, que prioriza o rentismo para os ricos e o fiscalismo para os pobres. Diz que é preciso superar essa armadilha imposta pela aliança entre a tecnoburocracia incrustada na área econômica de governo e a ideologia liberal-autoritária do mercado. Há alternativas, e elas passam por processos de desfinanceirização predatória da economia, ao mesmo tempo que de desprivatização das finanças públicas.

Tais problemas dificultam ou impedem o enfrentamento e soluções mais rápidas e efetivas a grande parte dos problemas estruturais que afetam diretamente a população brasileira e o próprio desenvolvimento nacional. Por isso, o livro cumpre papel primordial no debate atualmente em curso no Brasil, justamente porque faz a crítica dos modelos dominantes e disfuncionais de planejamento, orçamentação e gestão, ao mesmo tempo que sugere alternativas críveis às formas de organização e funcionamento dessas funções governamentais indispensáveis ao processo de governar.

É preciso fortalecer e mobilizar as capacidades governativas do Estado nacional, dentre as quais as do planejamento governamental, das finanças públicas e da gestão pública democrática, de modo que elas ajudem o atual governo a governar, ou seja, a formular e implementar o plano de governo vencedor das eleições de 2022. Essas funções não são e não podem ser vistas como meras funções burocráticas. Muito ao contrário, elas são o cerne e o veio por meio de onde a transformação positiva da sociedade pode se realizar.

Apenas se os resultados pretendidos com o plano de governo eleito democraticamente se efetivarem é que a política – como forma de organização e resolução dos conflitos – e a própria democracia – como forma de expressão da vontade popular – poderão voltar a se legitimar junto às pessoas que a praticam e que nela acreditam. Com isso, a democracia terá cumprido o seu papel político e o planejamento governamental o seu papel estratégico.

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