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Os desafios do Luz para Todos na busca por uma transição energética justa

É preciso tratar o programa não como um simples acréscimo estatístico das fontes de energia e do número de acessos, mas como uma iniciativa social complexa

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
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por Márcio G. Pereira, Alina M. Gilmanova Cavalcante, Luiz Enrique Vieira de Souza e Rodolfo Dourado Maia Gomes

O programa Luz Para Todos completa 20 anos como um marco que representa não apenas a expansão da eletrificação rural, mas também a melhoria da qualidade de vida para 18 milhões1 de brasileiros. Como política de inclusão social, o programa incorpora uma massa de brasileiros ao século 21, sendo internacionalmente reconhecido por sua abordagem inovadora e uma importante referência para outros países do Sul Global. Por isso, seu impacto vai muito além das lâmpadas acesas nas residências.

É fundamental celebramos os avanços da universalização, pois hoje 99,4% da população2 brasileira usufrui dos benefícios da energia elétrica de forma segura e regular. Também é oportuno refletir sobre os desafios em curso porque grande parte das áreas isoladas e rurais onde o programa foi implementado apresentou e ainda apresenta obstáculos logísticos significativos, como terrenos acidentados, longas distâncias e dificuldades de acesso, que tornam a instalação de infraestrutura elétrica uma tarefa complexa. Esses mesmos obstáculos eram mencionados bem antes do lançamento do LPT e com ele demonstrou-se possível vencê-los e não há motivos para ser diferente agora.

Manter a infraestrutura elétrica em áreas remotas é um desafio constante. De acordo com um estudo realizado pela Iniciativa Internacional de Energia3 (IEI Brasil), um em cada cinco sistemas autônomos de energia solar instalados pelas distribuidoras de eletricidade encontra-se em estado de falha. A principal causa dessas falhas é a interrupção do fornecimento de eletricidade. Um outro ponto reclamado por diversos beneficiários é a cobrança de taxa de iluminação pública sendo que não há iluminação pública onde residem. Não buscar alternativas para esses e outros problemas pode gerar frustação das comunidades e ofuscar o sucesso do Luz para Todos em sua nova fase. Assim, garantir a manutenção das instalações e financiamento contínuo para a expansão do programa é crucial.

Por outro lado, devemos aproveitar as oportunidades associadas à transição energética justa e traçar planos para o futuro. Garantir a participação comunitária para contar com o conhecimento local para dimensionar e instalar os sistemas, para superar barreiras culturais e assegurar que grupos minoritários se beneficiem do programa sem abrir mão de suas identidades culturais e modos de vida. A resolução dos problemas de manutenção poderia contar com a participação ativa das comunidades, proporcionando capacitação técnica e remuneração para pessoas dessas localidades e buscando métodos mais eficazes de comunicação com a distribuidora.

O programa requer uma abordagem transdisciplinar, com planejamento centrado nas necessidades dos beneficiários e maior articulação entre a iniciativa pública e os entes privados. Dessa forma, o Luz para Todos pode constituir-se como um dos pilares de uma transição energética justa e representar um futuro energético mais sustentável e equitativo. Portanto, é preciso considerar esse programa não como um simples acréscimo estatístico das fontes de energia e do número de acessos, mas como um programa social complexo. Isso requer expertise multidisciplinar e coordenação entre diversos ministérios do Estado.

Uma referência positiva é o programa “Escolas Conectadas”, uma articulação entre o Ministério da Educação e o de Minas e Energia para que todas as escolas tenham acesso tanto à eletricidade como à internet. Além do diálogo entre os ministérios, o Luz para Todos demanda um tipo de governança que inclua outros setores da sociedade civil, incluindo-se os próprios beneficiários. Outra referência positiva é a instalação de Centros Comunitários de Produção (CCP) para beneficiamento e agregação de valor de produtos agrícolas em articulação com associações ou cooperativas, agências de extensão rural, governos locais e Ministérios através do LPT. O Programa poderia dar escala na implantação de CCP.

Em 2025, o Brasil sediará a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) em Belém, uma grande oportunidade para o país apresentar suas ações e resultados no âmbito da transição energética justa, reforçar seu comprometimento com a pauta ambiental e mostrar os resultados concretos da sua liderança na universalização do acesso à energia elétrica. Soma-se, ainda, que o programa é uma peça fundamental na promoção da diplomacia climática e de sustentabilidade, e sua história é uma demonstração de que é possível convergir ações públicas e privadas para o desenvolvimento econômico com inclusão social, pavimentando um caminho mais equitativo e de oportunidades para as populações mais vulneráveis do país.

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