Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Não há mal que dure para sempre

Algo me diz que a democracia, ora em jogo, sairá vitoriosa no dia 30 de outubro – apesar das ameaças e da violência que tomou o País de assalto

Foto: José Cruzr/Agência Brasil
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Quem defende a democracia e não acordou na última segunda-feira com um misto de tristeza e decepção, que atire a primeira pedra. 

Vou além. Acompanhar a apuração das urnas até o último minuto provocou em mim uma sensação de dor, de desalento. Era como se tudo tivesse acabado, desmoronado. Meio atônita, perdida, questionei: o que vivemos, testemunhamos, sentimos na pele nos últimos quatro anos não foi suficiente para dar um basta em tudo o que aí está?

Em áudios de WhatsApp que transitavam entre sessões de terapia e podcasts, bradei com algumas amigas: “Que país é este que entrega o Senado à extrema-direita, que elege a ex-ministra dos Direitos Humanos que não tem o menor apreço pela dignidade humana, que dá poderes ao ex-ministro que enquanto esteve no poder só fez passar a boiada e a motosserra no meio ambiente?”

Que país é este que elege um ex-juiz cuja atuação foi considerada parcial pela imprensa internacional, pela ONU, por ministros do Supremo Tribunal Federal, como também sua “conja”, que após receber mais de 200 mil votos, vai representar São Paulo na Câmara. Diante desses fatos, fui invadida por uma vontade de desaparecer, de me refugiar em qualquer lugar que pudesse me proteger dessa doença chamada Brasil.

Acontece que não sou privilegiada a ponto de poder sumir, de “jogar tudo para o alto”, de partir para o exílio voluntário. Sendo assim, só me resta sobreviver, encarar, resistir às ameaças e tormentas que nos cercam e assombram.

Aos poucos, com o trabalho, com as demandas do dia a dia que não podem esperar, fui me afastando da tristeza na qual me encontrava. Confesso que o jornalista Ricardo Kotscho foi um dos responsáveis pela mudança no meu estado de espírito. Em sua coluna no UOL, Kotscho enfatizou que a distância que separa o ex-presidente Lula de Jair Bolsonaro é de 6 milhões de votos. Ler essa assertiva de um repórter premiado e experiente, por quem tenho a mais profunda admiração, foi um alento.

Também no UOL, José Roberto de Toledo trouxe informações que foram pouco repercutidas pela grande mídia: o partido Novo, que defende a privatização até dos nossos ossos, elegeu apenas três deputados federais e, assim como o PTB do “padre” Kelmon, não poderá participar dos debates eleitorais de 2026. Ô glória!

Na piauí, outra boa notícia: em uma análise assinada por Laura Carvalho e Pedro Abramovay, a revista lembrou das críticas feitas por Mano Brown ao PT nas eleições de 2018. Na ocasião, o líder dos Racionais MC’s gerou incômodo na militância petista ao defender que o partido precisava retornar às suas origens, dar atenção às bases, à periferia. Pois bem, nessa matéria, lê-se: “Em 2022, o jogo parece ter virado. Lula recuperou amplamente o terreno perdido nas capitais. Ganhou na cidade de São Paulo, ganhou em Porto Alegre, ganhou em Recife e diminuiu amplamente a vantagem bolsonarista no Rio. Em todos esses casos, a vitória se deu ampliando votos em favelas e zonas periféricas dessas cidades”. Para mim, essa constatação soou como uma cerveja estupidamente gelada ao final de um dia cansativo de trabalho.

Passados cinco dias do primeiro turno, tenho a sensação de que as coisas vão se ajeitando. Sinto-me um pouco mais serena e esperançosa. Algo me diz que a democracia, ora em jogo, sairá vitoriosa no dia 30 de outubro, apesar das ameaças, do ódio, do ressentimento, da ignorância, da imoralidade, dos ataques à educação, da violência que tomou o País de assalto.

Lembro das palavras de dona Nelita, minha mãe: não há mal que dure para sempre. 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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