Paulo Nogueira Batista Jr.

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Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

Opinião

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A guerra do segundo turno

Como o PT e os demais setores da esquerda e da frente ampla se comportarão? Estarão à altura do desafio?

Fotos: NELSON ALMEIDA e EVARISTO SA / AFP
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Estamos em estado de choque, leitor. Começo este artigo na noite de domingo, dia do primeiro turno. Tinha outro artigo, praticamente pronto, para publicar na segunda-feira seguinte, intitulado “O terceiro turno”, no qual fazia considerações sobre a pretensão do poder econômico-financeiro de colonizar o futuro governo Lula. Um resumo chegou a ser publicado na revista. A versão completa foi, porém, engavetada para uma ocasião mais oportuna, por motivos óbvios.

Recapitulo brevemente. Até domingo, havia dois cenários considerados possíveis – vitória de Lula, raspando, no primeiro turno, ou decisão no segundo turno, com Lula vencendo o primeiro com vantagem muito ampla. Contudo, as pesquisas erraram feio, por motivos ainda não inteiramente claros, não só na presidencial, onde subestimaram os votos para Bolsonaro, como em vários estados, destacadamente em São Paulo. A vantagem de Lula acabou significativa, porém inferior ao previsto, até mesmo em pesquisas de véspera.

Agora é a guerra do segundo turno. Guerra, sim. E essa era uma das razões para liquidar a parada no primeiro turno. O que se viu foi um Bolsonaro mais forte do que o esperado. O bolsonarismo, fenômeno que transcende a figura do líder e as fronteiras brasileiras, se mostrou mais forte do que imaginávamos e do que indicavam as pesquisas. Frustraram-se as expectativas um pouco infladas de vitória no primeiro turno. A decepção com o desempenho acima do previsto de Bolsonaro, assim como a força dos candidatos apoiados por ele, inclusive lixos notórios, em eleições para governos de estado e para o Congresso, levaram a um sentimento de desânimo e derrota. Grande parte da esquerda derramou-se em lamúrias. Alguns começaram a atacar o Brasil inteiro – um País que deu, leitor, vantagem de mais de 6 milhões de votos a Lula, quase o elegendo no primeiro turno. Meio ciclotimicamente, muitos passaram da euforia ao desespero em questão de horas. Esqueceram-se do que dizia Tom Jobim: “O Brasil não é para principiantes”.

Por outro lado, leitor, outro grande artista brasileiro, Nelson Rodrigues, lembrava que “a vitória sofrida é mais doce”. Vamos em frente, portanto. Mais doce, mas mais arriscada, claro. A eleição será dura, tudo indica. E a vitória de Lula não está garantida.

A economia é um dos dados da conjuntura que precisam ser levados em conta, como sempre. O nível de atividade econômica e o mercado de trabalho melhoraram gradualmente ao longo de 2021. O PIB cresce mais do que se previa no início do ano, com aumento projetado para algo entre 2,5% e 3%. A taxa de inflação esperada para o ano caiu para menos de 6%. O nível de emprego aumentou – inclusive, mais do que o PIB, e a variável emprego pesa mais do ângulo político do que o crescimento do produto. O aumento da elasticidade aparente do emprego em relação ao produto precisa ser investigado, mas parece dever-se em parte à mudança na composição do PIB, com crescimento do peso relativo do setor de serviços, mais intensivo em trabalho.

Quando se olha para além da conjuntura, os resultados de domingo deixaram claro, para quem tinha dúvidas, que estamos diante de um fenômeno da maior importância – a força eleitoral no Brasil da ultradireita, fascista ou protofascista, espelhando o que vem acontecendo em outras partes do mundo. Bolsonaro e o bolsonarismo não são, infelizmente, um ponto fora da curva. Essa ultradireita, mais agressiva, mais primitiva do que a direita tradicional, é uma verdadeira onda aqui e em outros países.

Não vou tentar caracterizá-la agora, com suas várias facetas, pois essa ultradireita é uma conhecida nossa. Limito-me a inseri-la, em rápidas pinceladas, na história política brasileira. Desde que voltaram as eleições diretas para presidente, em meados do século XX, o Brasil teve algumas ondas políticas poderosas. A primeira, inaugurada por Getúlio Vargas, passou por JK, Jango e terminou com Brizola – depois de ter sido interrompida pelo golpe de 1964. A segunda onda, inaugurada por Lula e pelo PT, surgiu nos anos 1980 e está viva até hoje, graças em grande medida ao talento e carisma do seu principal líder político. A terceira onda é o bolsonarismo, que também tem, quer gostemos, quer não, um líder carismático e popular. Hoje existem, na verdade, apenas dois líderes políticos que têm conexão com o povo – Lula e Bolsonaro, e não por acaso os dois se enfrentarão no segundo turno.

A onda Lula-PT, mais antiga, envelheceu? “Aburguesou-se”? Ou conserva o dinamismo original? É o que veremos nas próximas semanas. Como o PT e os demais setores da esquerda e da frente ampla se comportarão? Estarão à altura do desafio? •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1229 DE CARTACAPITAL, EM 12 DE OUTUBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A guerra do segundo turno”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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