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Ministro prêt-à-porter

Externo aos tribunais e sem notáveis credenciais acadêmicas, Zanin talvez só queira demonstrar alguma independência em relação ao presidente que o escolheu como uma peça de roupa

Zanin enfrentou uma sabatina tranquila, sem percalços – Imagem: Geraldo Magela/Ag. Senado
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Bastaram três votos – até o final desta coluna talvez sejam quatro, o julgamento do Marco Temporal está na pauta – para que Cristiano Zanin se tornasse a mais recente evidência dos fracassos de Lula. Na melhor versão, dos acanhamentos do governo. Alguém avisa o ­pessoal que indicar ministro para a Suprema Corte não é como escolher uma peça de roupa?

A ciência política vem se esmerando em explicar a ligação entre a indicação presidencial e o comportamento do ministro escolhido para o STF, mas até agora a disputada relação causal ainda não deu as caras. Erram – todos – à evidência do histórico de Lula. Menezes Direito? Dias Toffoli? O primeiro pelo perfil, o segundo pelo desempenho, ambos são lembrados como a evidência maior de que, sim, Lula não sabe escolher ministro.

Deixando de lado o fato de que, no presidencialismo brasileiro, a coalizão impõe complexidade ao processo de indicação (multiplicando os atores relevantes no processo de escolha), e mitigando o lobby das associações profissionais e a pressão dos movimentos sociais, o debate público frequentemente faz recurso ao provérbio “manda quem tem a caneta” para avaliar solitariamente o presidente da República quando o assunto é indicação de ministros ao STF.

Justo? Talvez. O alinhamento com o governo é um dos motes da Presidência no encaminhamento das negociações por um nome, logo que surge uma vaga. Outro é a barganha política. O presidente pode ainda, por meio da indicação, priorizar critérios de representação e diversidade na Corte, sinalizando valores para o eleitorado. Nesse último caso – à diferença dos anteriores – a evidência do acerto do presidente prescinde da avaliação do desempenho (futuro) do ministro. Ao contrário, revela-se no preciso momento da indicação, e se referencia no passado, cujas distorções (de gênero, raça e etnia) a própria persona do/a escolhido/a vem aplacar.

Zanin foi indicado por Lula a despeito dos oportunos reclames por representação e diversidade no STF. Foi um tijolinho na construção de governabilidade, mas é compreensível a expectativa de que forneça, também, algum apoio ao governo, pressupondo que Lula via nele um aliado – alguém “para quem pudesse telefonar”, como cochicharam os bastidores, brincando de telefone sem fio.

Ainda que a expectativa presidencial de influência sobre a performance do STF não reverbere na institucionalidade, despindo Lula de qualquer ingerência concreta sobre o comportamento de Zanin, é pelo seu desempenho que a escolha do presidente será publicamente julgada – e é através dela que serão renovadas as disputas em torno das próximas vagas. Curiosamente, do outro lado dessa equação, a consideração com os interesses do presidente, ou sentimentos de gratidão e lealdade, é elemento que, na melhor das hipóteses, concorre com outros inúmeros fatores a impactar a atuação dos ministros do STF.

Zanin é um ministro jovem, dos quadros da advocacia – externo aos tribunais, onde têm assento magistrados e promotores públicos – que não ostenta notáveis credenciais acadêmicas, que nunca ocupou cargos políticos, tampouco no governo, mas que defendeu pessoalmente o presidente em um dos julgamentos mais politizados da história recente do País, o da Lava Jato. A adoção de uma postura de independência em relação a esse presidente talvez se materialize em um desempenho assombrado pelo fantasma da carência de legitimidade. Talvez não passe de um sopro e, à míngua de credenciais robustas, a gratidão ao presidente que o indicou amplie a convergência entre os interesses do governo e sua atuação.

É preciso deixar operar o tempo e ampliar o olhar – até porque não é apenas através dos votos que proferem que os ministros se movimentam na Suprema Corte. Como uma peça de roupa que brota do fundo de uma gaveta, da esquecida à definitiva, ou não, a trajetória de um ministro no STF carrega todas as possibilidades obliteradas pela alfaiataria. •

Publicado na edição n° 1275 de CartaCapital, em 06 de setembro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Ministro prêt-à-porter’

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