
Gustavo Freire Barbosa
[email protected]Advogado, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coautor de “Por que ler Marx hoje? Reflexões sobre trabalho e revolução”.
Lula acerta ao nomear Pochmann. O recibo está na gritaria com que sua nomeação foi recebida
A nomeação do economista Márcio Pochmann para a presidência do IBGE fez com que se abrisse a Caixa de Pandora dos grandes meios comerciais de comunicação. Editorialistas, analistas e colunistas, em coro, não pouparam adjetivos para desqualificá-lo como “ideológico” e até como falsificador, pois, em nome de suas crenças, ele seria capaz inclusive de mascarar os dados da inflação.
Além de esquecerem que o IBGE integra o Ministério do Planejamento, e não o Banco Central ou o Ministério da Fazenda, fizeram o favor de, mais uma vez, mostrar que a preocupação central continua sendo a de que a acumulação neoliberal não sofra qualquer arranhão.
Pochmann é um economista não-ortodoxo. Ou seja: crítico às políticas de desregulamentação da economia que, nas últimas três décadas, ganharam o status mundial de dogma. Uma vez que são escrituras sagradas, cânones do mundo natural, questioná-las só pode ser, além de heresia, fruto de devaneios ideológicos mal-intencionados e de mistificações da realidade.
Terry Eagleton, filósofo inglês, diz que ideologia é que nem bafo: você só sente o dos outros. A ortodoxia neoliberal é a tinta da tese de que a história acabou, não restando a nós, nada mais nada menos, que a pura e simples resignação. Há trinta anos, Francis Fukuyama escreveu que, com o fim da URSS, a história teria chegado ao seu fim. Recentemente, vendo o que aconteceu desde então, viu-se obrigado a revisitar suas teses, concluindo o óbvio: a história segue.
E se história é movimento, é no seu altar profano que ocorre o sacrifício de ortodoxias como as das crenças neoliberais, onde taxas de juros estratosféricas, superávit primário e câmbio flutuante são a santíssima trindade. Por discordar dela, Pochmann tirou as coleiras de uma besta-fera que, involuntariamente, nos fez lembrar das razões pelas quais, durante um bom tempo, passou pano para o bolsonarismo.
A inserção de Paulo Guedes no staff de Bolsonaro teve o propósito de arregimentar setores do mercado à campanha e à sustentação do governo. Deu certo. Guedes entregou parte do que prometeu, chegando a criar uma secretaria de desestatização e desinvestimento no Ministério da Economia. Mas o desastre na condução das políticas de saúde e os preocupantes índices sociais, econômicos e ambientais foram fatores que diminuíram sua base eleitoral e desmobilizaram a fração da direita moderada que optou por ser franja do bolsonarismo. “Vamos continuar o que Temer começou”, disse Paulo Guedes em 2018. O desmonte do SUS, mesmo na pandemia, mostrou que não estava brincando.
Eis que Pochmann não concorda com isso, partindo da perspectiva de que é o investimento público que enseja o aquecimento das cadeias produtivas, criando demanda e estimulando o setor privado (algo parecido com o que a China vem fazendo nos últimos quarenta anos). Na esteira de cada real investido em áreas como saúde, educação e assistência social, incrementa-se o PIB em valores substancialmente maiores. Logicamente, para comprar, trabalhar e produzir riqueza, é necessário estar, no mínimo, vivo.
O IBGE, o mesmo que Bolsonaro e Guedes tentaram trucidar, é o responsável por realizar o Censo, necessário para identificar o perfil da população brasileira – inclusive o de seus seus segmentos mais vulneráveis, a quem serão destinadas as políticas públicas demonizadas pela cartilha neoliberal em sua reza cotidiana pelo austerícidio. Entende-se o porquê do governo anterior ter buscado retirar recursos do censo: a constatação de que a maioria do povo brasileiro vive em situação dramática o constrangeria a instituir políticas sociais, algo que nunca esteve disposto a fazer.
Lula acerta ao nomear Pochmann. O recibo está na gritaria com que sua nomeação foi recebida. Mas se os cães ladram, a caravana não pode parar.
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