Marcelo Freixo
[email protected]É professor de história e deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro.
É inegável que o governo federal, tanto pela omissão quanto pelo estímulo à ação de criminosos na Amazônia, é responsável pelo aumento da violência que vitimou o indigenista e o jornalista britânico
No momento em que escrevo este texto, ainda não sabemos o desfecho do desaparecimento do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips. (Nota da redação: Amarildo da Costa de Oliveira, conhecido como Pelado, e o irmão, Oseney da Costa Oliveira, admitiram o crime à Polícia Federal). A informação mais recente foi divulgada pela esposa de Dom, Alessandra Sampaio. Ela afirmou ao jornalista André Trigueiro, da TV Globo, que os corpos dos dois haviam sido localizados, o que não foi confirmado pela Polícia Federal e pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), a participar das buscas.
O meu objetivo agora não é tratar do desfecho, mas de como essa tragédia foi escrita através de escolhas políticas, das omissões e dos atos deliberados de autoridades do governo que transformaram a Amazônia numa terra sem lei, dominada por traficantes, garimpeiros e madeireiros ilegais. A violência contra defensores do meio ambiente e dos povos indígenas não é novidade no Brasil e muito menos na Região Amazônica. Em 1988, o ambientalista Chico Mendes foi assassinado no Acre a mando de um fazendeiro. Em fevereiro de 2005, a missionária Dorothy Stang foi morta por pistoleiros no Pará. Esses são os crimes mais conhecidos dentre tantos assassinatos que foram cometidos na região por bandidos que que há décadas atuam e devastam a Amazônia.
O que há de novo no caso de Dom e Bruno? O posicionamento do governo federal, que protege e estimula a ação de criminosos. Na primeira vez que veio a público comentar o desaparecimento do jornalista e do indigenista – o que só fez dois dias depois do ocorrido –, o presidente da República classificou como “aventura” a ida de ambos para a região. O fato é que Dom e Bruno, assim como tantos jornalistas, servidores públicos e ativistas defensores do meio ambiente e dos povos indígenas, estavam realizando um trabalho nobre que deveria ser feito ou, no mínimo, apoiado pelo governo federal.
A devastação da Amazônia e de outros biomas é o retrato cruento do que é a gestão de Jair Bolsonaro, um presidente da República que utiliza o cargo para promover a destruição. O mesmo governo que realiza um libera geral de armamento pesado, favorecendo o tráfico de armas e abastecendo os arsenais do crime organizado, também estimula a ação de bandidos armados em áreas de preservação. Tenho dito de forma reiterada, a milicianização da Amazônia, com a entrega da floresta à desordem do crime, é irmã siamesa da atuação das milícias e do tráfico no Rio de Janeiro: domínio territorial armado, imposição do terror aos habitantes locais e submissão das instituições e do interesse público à ambição de grupos criminosos.
A tragédia que vemos em nosso país não é apenas a sequela de um governo incompetente e omisso, é a revelação sórdida de um projeto de poder calcado na ilegalidade e na violência. É a expressão pura da essência do bolsonarismo: ódio, destruição e horror transformados em negócio.
A ficha corrida deste governo em relação a crimes ambientais é longa, mas cito apenas um exemplo para ilustrar meu argumento. Em abril de 2021, o delegado Alexandre Saraiva foi afastado do comando da Superintendência da Polícia Federal na Amazônia, após pedir ao Supremo Tribunal Federal para investigar o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por proteger madeireiros que atuam de forma ilegal.
Saraiva apresentou provas claras e contundentes de que Salles tentou interferir nas investigações para proteger a quadrilha. Um governo sério, minimamente comprometido com a legalidade, teria afastado o ministro e aguardado o fim da apuração, mas Bolsonaro, como sempre, escolheu o lado errado, retirando o delegado do comando da Superintendência da Polícia Federal na Amazônia.
As atribuições da Funai foram esvaziadas e o comando do órgão foi entregue a gente sem qualquer compromisso com os direitos dos povos indígenas. O mesmo foi feito com o Ibama e o ICMBio. O resultado é o aumento do desmatamento e da violência contra os povos tradicionais.
A devastação na Amazônia entre 1º de agosto de 2020 e 31 de julho de 2021, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi equivalente a nove vezes a área da cidade de São Paulo, um aumento de 78% em relação a 2018. Além disso, territórios indígenas vivem o terror de serem sitiados por garimpeiros que matam e poluem os rios com mercúrio.
No momento em que escrevo este texto, dia 13 de junho, ainda não sabemos quem matou e quem mandou matar Dom e Bruno, se traficantes de drogas, garimpeiros ou pescadores ilegais. Mas é inegável que o governo federal, tanto pela omissão quanto pelo estímulo público à ação de criminosos na Amazônia, é responsável pelo aumento brutal da violência que agora vitimou o jornalista e o indigenista. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1213 DE CARTACAPITAL, EM 22 DE JUNHO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Justiça para Bruno e Dom”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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