Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

‘Irmãs do inhame’, de bell hooks: um carinho na alma das mulheres pretas

A superação do racismo requer o entendimento e a percepção por parte de toda a sociedade de como tem sido difícil e doloroso o nosso estar no mundo

Foto: Reprodução
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Não tem pra ninguém: nos meus textos, nas minhas aulas, nos cursos e palestras que dou, a escritora afro-americana bell hooks é a intelectual mais citada. Assim é desde 2015, quando li pela primeira vez Ensinando a transgredir, livro que mudou o meu ser, a minha carreira docente. 

Para a minha alegria e a de muita gente, mais de uma dezena de livros da escritora, discípula de Paulo Freire, já foram publicados no Brasil. Um reconhecimento tardio por parte do mercado editorial, como tem sido quando se trata de autores negros. Os primeiros livros de bell hooks datam dos anos 1980 e só muito recentemente ocupam as prateleiras das livrarias. 

Irmãs do inhame: mulheres negras e autorrecuperação, lançado em agosto pela editora WMF Martins Fontes, é um bálsamo, um remédio poderoso, com alto poder de cura, assim como o tubérculo que dá nome ao livro. Conforme bell hooks assinala nas primeiras páginas, ele nasce de encontros entre a autora e mulheres negras marcadas pelas mais variadas dores. Ao escrevê-lo, bell parece justamente conversar com a leitora ou o leitor. 

Ao longo de 264 páginas, a ex-professora primária toca em questões que atravessam a vida das mulheres negras: o racismo, o sexismo, o machismo, a pobreza, a violência, o estresse e algo que eu ainda não tinha parado para refletir: a dependência química. A esse respeito, bell hooks escreve: “Faz todo sentido em uma sociedade de dominação, em que as pessoas negras busquem aqueles mecanismos sociais que as permitam escapar, que procurem formas de entorpecer a dor, de experimentar o esquecimento”. 

bell hooks lembra que mais do que qualquer outro grupo social, nós, mulheres negras, passamos boa parte da nossa existência tentando “tornar a vida suportável”. Como uma reminiscência do passado escravocrata, de maneira sistemática e precoce, somos empurradas para trabalhos considerados “indesejáveis”, que ninguém quer exercer. Essa passagem me fez lembrar da minha infância. Constantemente, eu era chamada para fazer pequenos serviços, limpar a casa dos outros, cuidar de crianças, algo que não acontecia com as meninas brancas da minha rua. 

A escritora estadunidense destaca que, enquanto pessoas negras, “somos feridas pela supremacia branca, pelo racismo e por um sistema econômico que nos condena a uma posição de subclasse”. E, ao destacar isso, ela aponta caminhos para enfrentarmos as opressões que nos marcam profundamente, que comprometem a possibilidade de uma vida digna e plena. bell hooks apresenta a escolha pelo bem-estar como um ato de resistência política, nos convida a amar nossos corpos, a buscar trabalhos que nos deixem realizadas, objetivo central de Irmãs do inhame: “Seu intuito é servir como um mapa, traçar uma jornada que pode nos levar de volta para aquele lugar escuro e profundo dentro de nós, onde nos demos a conhecer e a amar pela primeira vez, onde os braços que nos seguiram ainda nos abraçam”.

bell hooks alcança seu objetivo com êxito. Terminei a leitura com a sensação de que muitas feridas foram curadas e que devo sempre recusar o lugar do silêncio. Foi como se a escritora que me inspira há quase uma década tivesse segurado a minha mão e dito: “Luana, não se cale. Diga tudo o que você tem vontade de dizer”. Longe de mim recusar um conselho de bell hooks.

Irmãs do inhame é um carinho, um afago na alma de nós, mulheres negras, e deve ser lido de maneira urgente também por pessoas brancas. A superação do racismo requer o entendimento e a percepção por parte de toda a sociedade de como tem sido difícil e doloroso o nosso estar no mundo.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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