Frente Ampla

Lei das Mães de Maio: dever de reparação e combate à violência policial

O Estado tem responsabilidade objetiva sobre os atos ilícitos praticados por suas forças de segurança, já que ele detém o monopólio do uso legítimo do poder coercitivo

Após a onda de assassinatos de jovens em maio de 2006, nasceu o grupo "Mães de Maio"
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Entre os últimos dias de julho e o início de agosto, trágicas chacinas vitimaram 19 pessoas no Guarujá, litoral paulista, e estima-se que 30 pessoas no estado da Bahia. Na última semana, foram assassinados brutalmente o garoto Thiago e da menina Eloáh, ambos no Rio de Janeiro. O fato que une eventos tão distintos é que todas as mortes decorreram de operações policiais.

Isso nos conduz inescapavelmente a uma terrível constatação: o Brasil ostenta um dos maiores índices de letalidade policial do mundo, com 3,2 mortos para cada 100 mil habitantes. Segundo a última edição do Anuário Brasileiro da Segurança Pública, 6.430 pessoas foram assassinadas pela polícia no país em 2022, atingindo a fúnebre marca de 18 óbitos por dia.

Também existem vítimas do lado das forças de segurança, o que é igualmente lamentável. O que não é igual é a proporção dos atingidos: foram mortos 172 policiais em serviço no ano passado, ou seja, 37 cidadãos assassinados para cada agente. Como se vê, o Brasil não vive uma guerra, vive um massacre.

Mas esse massacre é bastante assimétrico, a corroborar a tese que está em curso um verdadeiro genocídio da juventude negra. De acordo com o Anuário, dentre as vítimas da letalidade policial no Brasil, impactantes 83,1% são pretas ou pardas, quando a proporção desse grupo na população é de 56%. E nada menos que 76% são jovens, sendo que 7,5% dos mortos tinham entre 12 e 16 anos, 45,4% entre 18 e 24 anos e 22,7% entre 25 e 29 anos.

Infelizmente, essa tragédia vem de longa data. Em maio de 2006, cerca de 600 pessoas foram assassinadas no estado de São Paulo, em decorrência de operações policiais que buscavam uma revanche contra uma série de ataques realizados por uma facção criminosa.

Nessas centenas de ocorrências, abusos no uso da força e até mesmo justiçamentos foram cometidos, vitimando não só criminosos, mas também trabalhadores honestos que morreram pelo simples fato de serem pobres e pretos, o que temos chamado de criminalização da pobreza. Muitos desses casos jamais foram investigados a sério, deixando com que famílias sequer pudessem se despedir ou conhecer as reais causas do desaparecimento de seus entes.

Diante desse quadro desolador, fui procurado por lideranças da sociedade civil e familiares dessas vítimas, que constituíram o movimento das Mães de Maio. Os relatos pungentes deram forma ao Projeto de Lei 2999/2022 – PL das Mães de Maio -, que pretende criar um programa de enfrentamento aos impactos da violência institucional gerados em mães e familiares das vítimas, através de atenção jurídica, econômica, social e psicológica, baseando-se no conceito de justiça de transição para superar a sistemática violação de direitos humanos sofrida por essa parcela da população.

O dever de reparação se justifica, porque o Estado tem responsabilidade objetiva sobre os atos ilícitos praticados por suas forças de segurança, já que ele detém o monopólio do uso legítimo do poder coercitivo. Seu uso ilegal ou abusivo não apenas fere a dignidade e os direitos humanos, como também afronta os direitos fundamentais prescritos na Constituição Federal, o Estado de direito e o próprio regime democrático, desmoralizando as instituições e poderes públicos constituídos.

Também é objetivo da proposta a capacitação permanente das forças policiais, buscando readequar abordagens e protocolos para que sejam menos violentos, promover temáticas relacionadas a direitos humanos e contra discriminações e preconceitos nos currículos das forças, bem como o incentivo a campanhas educativas sobre práticas não violentas.

Sei que nada repara a dor de uma mãe, uma esposa ou um filho enlutados pela perda. Nada fará secar o pranto ou preencherá o vazio da ausência de um filho, esposo ou pai. O Projeto de Lei das Mães de Maio busca ser um apoio para essas famílias dilaceradas possam, enfim, recomeçar e ter alguma esperança no futuro.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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