Frente Ampla

A melhor proposta de reforma tributária das últimas décadas

Aprovada a parte relativa ao consumo, o governo deve enviar ao Congresso uma proposta para tributação da renda e do patrimônio, a fim completar a reforma

O deputado Aguinaldo Ribeiro apresenta o plano de trabalho do GT da reforma tributária. Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Apoie Siga-nos no

Uma República Federativa democrática se constrói com um sistema tributário capaz de promover a justiça social, a igualdade de direitos de cidadãs e cidadãos e os deveres do Estado com a sociedade. O sistema tributário brasileiro é injusto e se tornou tecnicamente obsoleto, ou seja, um entulho formado por um liame de legislações que tem ampliado a desigualdade e retardado o desenvolvimento econômico e social do país. Esses consensos têm sido predominantes na sustentação do debate na Câmara dos Deputados sobre a necessidade e a urgência da reforma tributária.

Outros fatores que se somam a esses são os danos devastadores na economia brasileira e de todos os continentes, decorrentes da crise de 2008, nos Estados Unidos, ainda pendentes de reparação, mais as sequelas deixadas pela pandemia da Covid na economia mundial e no Brasil. Para ajudar a enfrentar a crise, uma onda de reformas tributárias se espalhou por vários países, a fim de reconstruir e retomar o crescimento econômico.

A crise trouxe para o centro do debate a questão do Estado. Entre outros questionamentos, ficou claro que os direitos sociais não podem mais ficar subordinados ao “equilíbrio orçamentário” ditado por tecnocratas. A reforma tributária que o Brasil precisa deve ser tratada como pacto social e federativo, que leve em consideração a função social e redistributiva do Estado.

Segundo recente estudo publicado pela ONG Oxfam, um imposto de até 5% sobre o patrimônio dos super-ricos, no mundo, poderia garantir uma arrecadação anual de US$ 1,7 trilhão, o suficiente para tirar 2 bilhões de pessoas da pobreza, num período de 10 anos, acabar com a fome no planeta, apoiar os países mais pobres que estão sofrendo impactos climáticos, garantir saúde pública e proteção social para países de baixa e média rendas.

O estudo mostra que, no Brasil, regulamentar a taxação de grandes fortunas, aumentar as alíquotas do Imposto de Renda Pessoa Física para até 40%, aumentar a faixa de isenção, taxar dividendos e mudar a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), seria possível ampliar a arrecadação em pouco mais de 3% do PIB. Isso permitiria uma receita tributária de R$ 300 bilhões por ano.  Consta também no estudo que, no Brasil, apenas 0,3% da população brasileira tem um patrimônio superior a R$ 10 milhões de reais. A distorção é tão grande que, aqui, quem ganha R$ 5 mil paga a mesma alíquota de quem ganha mais de R$ 1 milhão por mês. Isso não é razoável.

Um fator animador, que ajuda no esforço pela realização da reforma, é a percepção da injustiça tributária. O Instituto Datafolha, em parceria com a Oxfam, constatou em pesquisa que 85% da população apoia o aumento de impostos sobre o patrimônio dos mais ricos.

O Brasil enfrenta esse momento de reconstrução e de retomada do crescimento com medidas emergenciais, que consistem, entre outras, em reorganizar as contas públicas, reforçar a função distributiva do Estado, para os investimentos, para gerar emprego e renda, preservar o patrimônio público e garantir direitos sociais.

Depois de várias tentativas de aprovar a reforma tributária, ao longo de décadas, nova proposta está sendo colocada em debate. Apresentada pelo relator, deputado Aguinaldo Ribeiro, PP/PB, coordenado pelo deputado Reginaldo Lopes, PT/MG, a proposta chega num momento político favorável, tendo em vista a convergência de importantes forças políticas para a aprovação.

Juntamente com o Regime Fiscal Sustentável, recém aprovado na Casa, e o projeto de lei do Carf, a reforma tributária faz parte do conjunto de medidas emergenciais do governo, para a reconstrução do País e para dar sustentação ao projeto nacional de desenvolvimento sustentável e inclusão social. O ministro Fernando Haddad, que tem participado do debate e se empenhado no diálogo com o Congresso, chegou a comparar a reforma tributária ao Plano Real, por ser um projeto estruturante para a retomada do crescimento e o desenvolvimento econômico e social do País.

Os questionamentos e resistências à proposta do relator, que ocorrem em alguns fóruns e na imprensa, são naturais e saudáveis. Com diálogo franco e entendimento, as contribuições de todos os setores da sociedade serão acolhidas, analisadas, mas na perspectiva de que a reforma seja elevada à altura da justiça tributária que o Brasil precisa fazer.

A proposta que deve ser debatida e votada na Câmara traz inovações estruturais. Substitui 5 tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) pela contribuição sobre Bens e Serviços e cria o Imposto Seletivo. Ao contrário do que dizem os críticos da proposta, o IBS simplifica o sistema e elimina custos para as empresas. Principalmente a indústria, pelo fato de passar a ter mais créditos de tributos pagos por insumos. O IBS será cobrado no local de consumo dos bens e serviços, com desconto do tributo pago em fases anteriores da produção, para não acarretar bi-tributação. O imposto será dual, uma parcela fica com a União e outra com os estados, Distrito Federal e municípios. Como o imposto só é cobrado no consumo, as exportações podem ser totalmente desoneradas. Por outro lado, as importações terão a mesma taxação do produto nacional.

Haverá uma alíquota padrão do IBS e outra diferenciada para atender setores como o da saúde. Isso porque esses setores não têm muitas etapas, como a indústria. Com a cobrança do imposto no destino do bem ou serviço, a redução de impostos para atrair fábricas não se justifica mais. Isso acabará com a chamada “Guerra Fiscal”. Para produtos e serviços que prejudiquem a saúde ou o meio ambiente foi criado o imposto seletivo.

Tratados no texto como exceções, a Zona Franca de Manaus e o Simples manteriam suas regras atuais e alguns setores terão regimes fiscais específicos, como por exemplo, compra e venda de imóveis, serviços financeiros, seguros, cooperativas, combustíveis e lubrificantes.

A proposta avança na tributação sobre o patrimônio incluindo veículos aquáticos e aéreos dentre os tributados pelo IPVA. Os veículos que causam menor impacto ambiental pagarão menor valor. Quanto ao IPTU, os municípios poderão mudar a base de cálculo do imposto por decreto, mas a partir de critérios estabelecidos em lei municipal. Já o ITCMD, a ideia é determinar a progressividade do imposto. Ou seja, alíquotas maiores para valores maiores de herança ou doação.

Para manter a arrecadação dos estados, Distrito Federal e municípios, foi estabelecido um longo período de transição federativa, entre 40 e 50 nos, para evitar possíveis prejuízos com a cobrança do IBS no local de consumo. A fim de calibrar tributos e alíquotas, com os novos modelos, para que não haja prejuízo na arrecadação tributária, ficou estabelecido um período de cinco anos, para transição. Um fundo de desenvolvimento regional será criado com recursos da União para promover regiões menos desenvolvidas e compensar o fim da guerra fiscal.

O substitutivo apresentado pelo relator, deputado Aguinaldo Ribeiro, proporciona a cidadãs e cidadãos transparência do sistema tributário. O consumidor passa a saber quanto está pagando de imposto em cada produto ou serviço. Uma conquista importante da cidadania. Com simplificação, segurança jurídica e transparência ficam criadas as condições necessárias para a implementação do mecanismo Cashback, que compreende a devolução de parte do imposto pago pela população de baixa renda. Lei complementar estabelecerá as faixas da população a serem beneficiadas e o funcionamento do mecanismo.

A instituição do Conselho Federativo paritário é de fundamental importância para a gestão do IBS. Proporciona profunda mudança na forma pela qual os entes federados se relacionam com as próprias competências tributárias. Finda a guerra fiscal e dá início à cooperação. Trata-se de um pacto federativo e republicano, estrutural e integrador entre estados, Distrito Federal e municípios, e não afeta a autonomia dos entes federados nem os direitos de cidadãs e cidadãos.

Aprovada a parte relativa ao consumo, o governo deve enviar ao Congresso uma proposta para tributação da renda e do patrimônio, a fim completar a reforma. A justiça tributária só será consolidada com a garantia da progressividade, ou seja, com mudanças na tributação da renda e do patrimônio que sejam capazes de formar a base do desenvolvimento econômico e social sustentáveis com objetivos claros de reduzir as desigualdades sociais, regionais e erradicar a pobreza.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo