Justiça

Falemos de sonhos, vozes e despedidas

O menino nascido em uma cidade satélite cujo asfalto demorou para chegar em sua rua conseguiu escrever para o Brasil.

Anéis de tucum, símbolo de compromisso com a luta dos grupos oprimidos
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O ano de 2020 tem sido marcado por dolorosas despedidas. Esse texto se insere nesse contexto, muito embora sequer consiga se aproximar do sofrimento causado pela pandemia potencializada pela irresponsável postura assumida pelo Governo Federal. Mas, nesse contexto de despedidas ressalto que se trata do segundo texto com esse mote. Outrora, discorri sobre a cadeia e, agora, falo sobre o meu até logo deste espaço.

Sem sombra de dúvida, sentirei falta de abrir a página eletrônica da CartaCapital e ver uma foto minha ao lado dos grandes intelectuais em solo brasileiro. Sim, essa condição de colunista me permitiu comprovar que, muito embora a ignorância tenha vencido as últimas eleições presidenciais, há nomes que não podem ser ignorados do pensamento crítico. Quanto a eles, não se pode simplesmente, tal como realizado com a forma do planeta, negar as suas existências e, o mais importante, as suas capacidades de problematizar a sociedade brasileira, bem como proporem soluções para debelar as históricas chagas que acometem esse país tão desigual.

De forma modesta, tentei me colocar ao lado do trabalho tão bem realizado por esses verdadeiros profetas da pós-modernidade, isto é, daqueles que teimam, insistem, e de maneira acertada, denunciam os absurdos vividos e que já foram naturalizados por muitos. A partir da minha pouca experiência jurídica e que se encontra totalmente imersa na miséria, aventurei-me no exercício demonstrativo das mazelas do sistema de injustiça criminal. Não falei pelos miseráveis, pelos negros, pelos agredidos covardemente pela polícia ou qualquer outro injustiçado. Acredito piamente, quiçá de forma ingênua, que toda pessoa possui voz e ninguém deve querer ter a pretensão de substituí-la. Nos textos que aqui foram publicados era a minha angústia da escuta que se materializava. Nos bancos escolares não se ensina a escutar, eu escrevi como forma de consolidar esse meu aprendizado.

Não me envergonho de estar defensor público criminal. Durante algo tempo fui um servidor de dentro da cadeia e creio que essa experiência foi fundamental para os escritos.

Todavia falemos da despedida. O primeiro aspecto a ser destacado consiste no afastamento de qualquer tristeza. Caso me deixasse levar pela melancolia, estaria desprezando as enormes alegrias que foram proporcionadas por textos que vieram a ser publicados. Eu preciso confessar: foi divertido escrever para a Carta Capital. Como esquecer o questionamento sobre a astronomia judicial fluminense, já que meu filho mais novo sabe muito contar os dias? Ou então as homenagens necessárias, vide os textos para os saudosos Thiago Fabres de Carvalho e Pedro Casaldáliga ou para o humilhado Rafael Português.

O menino nascido em uma cidade satélite cujo asfalto demorou para chegar em sua rua conseguiu escrever para o Brasil. Brenno Tardelli, dileto editor e amigo, foi o grande responsável por essa jornada. Sei que exercitei a paciência dele com retificações de última hora, mas também me desafiou com pedidos de artigo de última hora. Obrigado pela força, meu amigo. E leve esse meu agradecimento a todos da redação.

Ao contrário de outros textos em que sempre enxerto alguma citação por reputar relevante ou para esconder a minha insegurança, ao escrever sobre a minha despedida utilizo única e exclusivamente as minhas palavras.

A ambição de quem escreve é ser lido e, principalmente, criticado. Os meus leitores – sei que não são muitos – saciaram esse meu desejo. E, por essa razão, não tenho qualquer queixa de vocês. Peço desculpas se não consegui atender todas as expectativas. Sou humano e, portanto, imperfeito. Encontraremo-nos em outras paisagens de lutas. Até breve, muito obrigado!

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