

Opinião
Fachin, o camaleão
O ministro, ao chegar ao Supremo, abriu mão de sua proximidade com movimentos sociais como o MST para se alinhar com a Lava Jato e semear as bases do bolsonarismo


Em seu discurso de posse na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin falou que ‘é hora de ouvir mais’. “Grupos vulneráveis não podem ser ignorados. A escuta é um dever da Justiça, e com a garantia do espaço de autodeterminação das origens plurais das pessoas, povos e comunidades, em igual dignidade.”
Mostrando disposição em dar continuidade à inédita coesão do STF construída em resposta aos ataques do bolsonarismo, afirmou que “se orientará por uma agenda de julgamentos construída de forma colegiada, que privilegie as ações em que a Corte reafirme seu compromisso com os direitos humanos e fundamentais”.
Advogado e professor da Universidade Federal do Paraná, Fachin foi indicado pela presidenta Dilma Rousseff em 2015 para a vaga deixada pelo ministro Joaquim Barbosa. A proximidade com movimentos sociais como o MST fez com que uma parte da esquerda ficasse eufórica com a indicação. Com ela, Dilma buscou acenar para uma base cada vez mais desgostosa com as medidas adotadas por Joaquim Levy, seu ministro da Fazenda.
Essa proximidade de Fachin com movimentos sociais de luta pela reforma agrária fez com que houvesse reação no Congresso Nacional. Sua sabatina durou mais de doze horas e contou com intervenções enérgicas das bancadas do boi, da Bíblia e da bala. Havia muito receio: a relação de Dilma com os parlamentares estava desgastada e a retaliação poderia vir na primeira desaprovação de uma indicação ao STF. Não aconteceu, porém. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou o indicado por 20 votos a 7.
No processo do impeachment de Dilma Rousseff, Fachin defendeu que a decisão do parlamento seria imune à intervenção do Poder Judiciário. No entanto, decidiu que a abertura do processo não teria esta imunidade, podendo ser derrubada por decisão judicial. Assim, embora tenha sinalizado que votaria de forma favorável a Dilma, acendeu uma vela também para Eduardo Cunha, então presidente da Câmara e protagonista do seu afastamento (ou golpe mesmo).
Essa postura ensaboada não se repetiu quando assumiu a relatoria dos casos da Operação Lava Jato, ocasião em que se alinhou completamente com a turma de Sergio Moro e Deltan Dallagnol – o mesmo que comemorou a disposição do ministro com o icônico “Aha uhu o Fachin é nosso”. O histórico de Fachin fez com que gente que já o conhecia, como Eugênio Aragão, advogado, procurador da República aposentado e ex-ministro da Justiça se surpreendesse: “É assustador. Isso ninguém podia imaginar. A atuação dele me surpreendeu muito. Até hoje eu continuo sem entender certas posições, que não condizem com o passado dele”, disse em entrevista publicada em 2018 pelo site Brasil de Fato.
A partir de então, Fachin empilhou decisões favoráveis à Lava Jato, incluindo arquivamentos de pedidos de liberdade de Lula, preso por 580 dias na carceragem da Polícia Federal. Em entrevista concedida em 2021 ao jornal Folha de S. Paulo, afirmou que o lavajatismo iria continuar a despeito do fim da força-tarefa da operação. Perguntado acerca de qual tipo de corrupção se preocupa, respondeu: “a corrupção da democracia, ou seja, com o conjunto das circunstâncias que mostram que o Brasil está vivendo um processo desconstituinte”, ignorando o papel da Lava Jato na ascensão do bolsonarismo e nas tentativas de implosão desta mesma democracia.
Foi também em 2021 que Fachin tentou reabrir o caixão da Lava Jato. Em março daquele ano, o ministro anulou as condenações de Lula, reconhecendo a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgá-lo. Tratou-se de uma manobra: diante da iminente derrota no colegiado, buscou cancelar o julgamento dos habeas corpus que analisariam a suspeição de Moro, evitando que o STF os julgasse e abrindo margem para suas decisões serem aproveitadas por seu substituto. Não deu certo. Por ampla maioria, o STF confirmou a suspeição do hoje senador.
Em 2010, Fachin discursou durante um ato de campanha de Dilma: “apoiamos Dilma para prosseguirmos juntos na construção de um país capaz de um crescimento econômico que signifique desenvolvimento para todos, que preserve os bens naturais. Um país socialmente justo que continue acelerando a inclusão social e que consolide, soberano, sua nova posição no cenário internacional”. Aragão está certo. Não parece a mesma pessoa que aceitou atuar como preposto de Moro e Dallagnol na mais alta Corte do País.
O suporte que o ministro deu ao lavajatismo ajudou a semear as bases do bolsonarismo que, em 2018, subiu ao Planalto e hoje segue como fração mais relevante da direita. A atmosfera da Corte hoje, felizmente, dá pouco espaço a concessões, vide as reações enérgicas ao voto de Fux absolvendo os réus da trama golpista.
Fachin, contudo, foi do MST a Lava Jato e, embora tenha chegado à presidência de um STF coeso contra o bolsonarismo, convém ficar sempre de olho. Afinal, “o Fachin é deles”.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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