Economia

Escolhas camicases

Quando há percepção de ganho financeiro, a preferência recai sobre intratáveis supostamente competentes, sugere estudo

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Comportamento organizacional é uma disciplina fundamental de qualquer MBA que se preze. Sustentam-na volumosos manuais de meio milhar de páginas, ricamente ilustrados e solidamente ancorados no estado da arte do conhecimento em gestão.

Como ocorre amiúde na Administração, bebe-se sem pudor da Psicologia, da Antropologia, da Economia e da Sociologia. A lista de temas tratados é ampla e constantemente renovada: poder e autoridade, gestão de conflitos, cultura organizacional, gestão de mudanças, governança corporativa, estrutura organizacional, gestão de grupos, diversidade, ética e responsabilidade social, liderança, tomada de decisão, e muito mais.

Em uma edição recente do Journal of Organizational Behavior, periódico científico de referência no tema, Peter Belmi e Jeffrey Pfeffer acrescentam seu tijolinho à parede de conhecimento sobre a questão específica da tomada de decisão.

Belmi é um jovem professor assistente da Universidade da Virgínia. Pfeffer é um renomado pesquisador da Universidade Stanford, conhecido pela postura iconoclasta e afeição a temas polêmicos.

No estudo em foco, a dupla debruçou-se sobre um aparente paradoxo. Não faltam trabalhos científicos a comprovar os efeitos nefastos de líderes abrasivos sobre a saúde de seus liderados, o clima organizacional e os resultados de médio e longo prazo de suas empresas.

Entretanto, quando levadas a fazer escolhas relacionadas a contratação, formação de equipes e promoções, as pessoas podem preferir intratáveis (presumidamente) competentes a agradáveis insossos.

Por que isso acontece? Belmi e Pfeffer realizaram três experimentos, envolvendo quase mil tomadores de decisão. Resultado: quando havia possibilidade de recompensa financeira ligada ao desempenho, os participantes inclinavam-se mais fortemente pela competência em detrimento da sociabilidade.

Conforme declarou Pfeffer, em um blog da Universidade Stanford: “Se não houver consequências, então é claro que você preferirá trabalhar com pessoas que são agradáveis e se adequam às normas sociais […] Mas se o seu sucesso depende de quão bem essas pessoas desempenham, o que é o caso em muitos contextos nas organizações, então você enfatizará a competência”.

Embora seja possível que indivíduos sejam ao mesmo tempo competentes e sociáveis, em geral estas características se manifestam de forma excludente. Exceder em uma delas geralmente implica um déficit na outra.

Os comportamentos adotados por profissionais no trabalho frequentemente seguem esta regra. Indivíduos que querem parecer competentes economizam a simpatia. Inversamente, indivíduos que querem motivar ou parecer mais amigáveis limitam as demonstrações de competência.

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O estudo de Belmi e Pfeffer mostra que, mesmo com a existência de farta literatura científica alertando para os riscos da escolha de profissionais rudes e abusivos para postos de liderança, indivíduos com essas características continuam galgando posições de destaque nas empresas.

A razão para isso é que o comportamento assertivo e desinibido é frequentemente interpretado como – ou confundido com – competência.

Diversos estudos demonstraram que manifestações de raiva e violação de normas sociais podem gerar na audiência percepção de poder e status, beneficiando os ignaros. Narcisismo e maquiavelismo também geram ganhos.

No mundo corporativo e além, sobram exemplos de que essa tríade de maus comportamentos produz dividendos. Por outro lado, a simpatia e a bonomia são inversamente relacionadas com ganhos financeiros, especialmente para homens.

Os autores registram ao final de seu texto um alerta: em situações nas quais as perspectivas de ganhos financeiros dos indivíduos são relacionadas ao desempenho econômico da organização, é preciso conscientizar os tomadores de decisão sobre os riscos de valorizar excessivamente a competência (real ou imaginária) de candidatos a postos de liderança. Essa postura, que visa atender a objetivos de curto prazo, pode gerar prejuízos mais à frente.

Os autores não tratam do caso no qual os indivíduos escolhidos não são nem sociáveis nem competentes, uma situação bem comum. De fato, para pesquisar tal condição, não há, tampouco haverá, nos próximos anos, escassez de casos para se observar.

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