Justiça

Em defesa de Conrado Hübner Mendes

A perseguição política de Conrado Hübner por parte do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, é exemplar da violação à liberdade de opinião e acadêmica

Conrado Hubner Mendes. Foto: Universidade de São Paulo.
Apoie Siga-nos no

A notícia de que o TRF-1 acatou, por dois votos a um, em 19 de abril, recurso do PGR Augusto Aras contra o professor da USP, constitucionalista e articulista da Folha de S.Paulo, Conrado Hübner, por colunas de opinião e tweets na internet, é no mínimo estarrecedora, emitindo um alerta claro de que os ecos do autoritarismo percorrem não apenas os porões, mas os salões do judiciário.

A própria persecução penal perpetrada por parte do mais alto cargo do Ministério Público, o Procurador-Geral da República Augusto Aras, contra o docente e colunista Conrado Hübner, por opiniões e críticas emitidas na internet, já acende o sinal amarelo de que algo vai muito mal na terra brasilis.

No caso de Conrado Hübner, a queixa-crime de Aras não foi recebida pela juíza federal Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, que a rejeitou por ausência de justa causa, argumentando, com precisão, que as opiniões de Conrado estavam protegidas pela liberdade de expressão e imprensa livre, valores caros à sociedade democrática.

Uma representação anterior à Comissão de Ética da USP, ingressada por Aras, já havia sido unanimemente rejeitada, por entender que as opiniões de Conrado se afiguram à sua própria trajetória de pesquisa, extensão e docência, enquanto constitucionalista e estudioso das teorias de democracia e justiça, incluindo a crítica institucional dos atores do Ministério Público.

Recorrendo Aras da rejeição de primeira instância, o processo foi remetido ao TRF-1, dando origem à decisão desastrosa do recebimento da queixa-crime, quando os desembargadores Marllon Sousa e Maria do Carmo Cardoso votaram a favor de Aras, com voto vencido da desembargadora Olívia Merlin Silva.

Durante a sessão de julgamento, o desembargador relator Marllon Sousa, a favor de Aras, afirmou que o teor das expressões de Conrado, especialmente considerando seu “profundo conhecimento jurídico”, deveria ter sido “melhor medido”.

Já a desembargadora Maria do Carmo Cardoso foi fiel ao seu próprio histórico ao decidir a favor de Aras. Em 2019, como desembargadora plantonista no TRF-1, foi ela quem derrubou a proibição de comemoração do golpe de 31 de março de 1964 por parte da União e das Forças Armadas, golpe militar apelidado pelos mais íntimos de “Revolução”.

Para a desembargadora, comemorar ou não o golpe estava no âmbito do poder discricionário do administrador, não afrontando direitos humanos e nem o estado democrático de direito, esse o qual, naquela ocasião, para a desembargadora, pressupunha a “pluralidade de debates e de ideais”.

Como diz o ditado: aos amigos, tudo, aos inimigos, nada. Para além do revisionismo histórico avalizado pelo próprio judiciário, a desembargadora, no caso de Conrado, afirmou que suas opiniões demonstram “falta de respeito às instituições”, esquecendo que, muitas vezes, são os atores que não honram a toga que vestem, ou que dilaceram a instituição que representam. A história é exemplar e, ouso dizer, tautológica.

Falando com Conrado Hübner, se Aras é a antessala do fim do Ministério Público tal como sonhado pelo constituinte de 1988, o poder judiciário é a antessala do espólio autoritário que marca o período mais recente na história do Brasil.

O processo do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, contra Conrado Hübner, é patológico nesse sentido. No seu caso, a tortura se dá de forma diferente, deveras peculiar: através da drenagem e do cansaço de ações judiciais.

A perseguição dos detratores do período militar se convertem em ações jurídicas, custosas e cansativas, que buscam alcançar o silenciamento dos inimigos por meio de ameaças de processos inócuos de calúnia, injúria e difamação, que, quando encontram brechas para desague, geram medo e efeito dominó em todos aqueles que ousam dizer o que deve ser dito.

É quando o autoritarismo vira algo mais sério: a auto-vigília do micropoder, o policiamento de si, uma versão ainda mais perversa do que o autoritarismo do Estado.

A liberdade de expressão e a imprensa livre são pilares importantes da sociedade democrática e o PGR, no seu munus público, está inevitavelmente exposto a essas críticas, especialmente quando não honra em seu ombro o peso institucional que promete carregar.

Que a queixa-crime de Aras não gere em Conrado aquilo que Nietzsche chamou de problemas do “uniforme por dentro”.

A voz de Conrado, e a de todos que sonhamos com ele outros Brasis, não será silenciada. Em coro, diremos: a vida não será colonizada e nem sucumbirá, mesmo diante de toda desfaçatez e covardia jurídicas.

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo