Eliara Santana

Pesquisadora Associada do CLE/Unicamp e uma das criadoras do Observatório da Desinformação.

Opinião

Educação midiática: um antídoto para a desinformação no Brasil

Precisamos ousar, avançar, construir mais e mais pontes, abrir o diálogo, elaborar propostas e consolidar essa prática com a nossa cara. A democracia agradece

A invasão do Congresso Nacional no 8 de Janeiro. Foto: AFP
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O ano de 2023 começou com dois momentos especialmente marcantes: a posse do presidente Lula, interrompendo um ciclo intenso de retrocesso e destruição de políticas públicas, e os ataques à Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro, que marcou a resistência de um bem articulado sistema de desinformação com fortes ataques à democracia, às instituições à vida pública. A partir desses dois fatos e de tudo o que os envolve , uma constatação em particular ganhou muita força no ano que passou: a necessidade de educação midiática como política pública para o Brasil. Não se trata mais de combater ou de categorizar fake news, trata-se de buscar compreender as dinâmicas da desinformação e o papel da comunicação de modo amplo e determinante, como constitutivos dessas interações em sociedade. A comunicação não é enfeite, e a desinformação não é mero detalhe. Por isso, a discussão torna-se fundamental para a sociedade e vital para a sobrevivência da democracia os ataques do 8 de Janeiro e os milhares de mortos pela pandemia de Covid e de desinformação estão aí para nos lembrarem sempre.

O que é educação midiática e por que ela importa

A educação midiática é uma prática, a partir de um conjunto de elaborações teóricas, que possibilita uma compreensão sobre o papel da mídia das mídias na sociedade, que nos ajuda a construir o que Len Masterman, em Teaching the Media (1988), chama de autonomia crítica, que nos possibilita entender as dinâmicas de desinformação, que nos dá condições de perceber o papel das plataformas no processo de desinformação. Em resumo, a educação midiática consiste no desenvolvimento, por meio de várias estratégias, da habilidade para acessar, avaliar, analisar e criar mídia em vários formatos. E possibilita um conjunto de conhecimentos para que as pessoas sejam capazes de construir pensamento crítico em relação à mídia. A partir desse arcabouço, ganha-se a capacidade de analisar criticamente os conteúdos recebidos, entendendo que o processo de produção desses conteúdos é fundamental, assim como se torna relevante pensar na produção de conteúdos de forma ética para potencializar a autoexpressão.

A educação midiática também coloca em cena a discussão sobre a importância do acesso à informação, evidencia a perspectiva da comunicação como direito humano e promove a cidadania, na medida em que faculta aos cidadãos a capacidade de construírem um posicionamento crítico e em que encoraja na juventude um engajamento político. A educação para a mídia pode ajudar todos os públicos a entenderem de onde vem a informação, quais interesses estão por trás dessa produção, quais vozes estão sendo silenciadas e como encontrar pontos de vista alternativos e fontes coerentes de informação tudo isso se reflete nas escolhas que fazemos, em todos os segmentos. A educação midiática também nos dá instrumentos para entender como funciona a propaganda e quais as suas estratégias de convencimento e de condução do nosso olhar apenas para determinadas percepções.  

Portanto, a educação midiática está longe de ser um simples conjunto de ferramentas para lidar com as mídias ou uma forma de controlar os conteúdos em circulação. Ela se insere de fato como elemento de política pública que pauta o direito à informação como direito humano fundamental.

O problema da desinformação no Brasil

Focando mais especificamente no cenário brasileiro, ela se torna ainda mais essencial. Acabamos de sair de uma eleição presidencial altamente polarizada, em que o mergulho nas fake news foi altamente prejudicial ao processo democrático, e estamos já entrando em outra, com o mesmo modus operandi da desinformação. É, portanto, urgente tomarmos a educação midiática como uma bandeira e nos mobilizarmos no sentido de efetivamente pautá-la como política pública necessária, e não como mera disciplina curricular. O Brasil é um país gigante, plural, diverso, com inúmeras demandas e muitas precariedades. Com um sistema de comunicação altamente concentrado em mãos de poucos grupos e um sistema de desinformação altamente articulado, que se embrenha por todos os campos da vida pública.

Educação midiática com a nossa cara

Nesse sentido, faz-se urgente o desenvolvimento de uma prática de educação midiática com a nossa cara, que traduza as nossas demandas e os nossos desafios, que seja capaz de levar à população em seu conjunto plural a percepção do papel da mídia nos processos de sociabilidade e nos processos democráticos. Essa prática, como sempre nos lembra o mestre Paulo Freire, precisa ser capaz de construir pontes e estabelecer o diálogo com os mais diversos públicos, mostrando as estratégias da mídia e as dinâmicas de desinformação da forma mais acessível possível.

Ao longo do ano de 2023, o papel do letramento midiático, da educação para a mídia, foi se tornando cada vez mais relevante, e iniciativas governamentais confirmaram isso como a criação da Secretaria de Políticas Digitais e da Secretaria de Educação Midiática, ambas ligadas à Secom, e a realização, pelo Governo Federal, da primeira Semana de Educação Midiática no país, que promoveu uma ampla discussão sobre o tema. São iniciativas muito importantes e que devem ser aplaudidas sempre, pois sinalizam um grande avanço.

Agora em 2024, temos o desafio de consolidar fortemente a prática da educação midiática no Brasil, levando essa discussão a todos os agrupamentos sociais, não deixando que ela fique restrita apenas aos muros das escolas ou a determinados espaços. Precisamos ousar, avançar, construir mais e mais pontes, abrir o diálogo, elaborar propostas e consolidar essa prática com a nossa cara. A democracia agradece.  

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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