Sociedade

Brasil, um paraíso para as fake news eleitorais

Quase metade dos votantes cursou no máximo o fundamental. Despreparo digital petista ajudou Bolsonaro

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Nunca houve tanta informação mentirosa numa eleição quanto agora no Brasil, segundo a Organização dos Estados Americanos (OEA). Fake news circularam maciçamente pelo WhatsApp e, a julgar por algumas decisões da Justiça Eleitoral e pela variação da rejeição de Fernando Haddad (PT) nas pesquisas, as mentiras foram obra sobretudo dos apoiadores de Jair Bolsonaro (PSL).

O incomparável exército virtual do candidato da extrema-direita – 7 milhões de seguidores no Facebook, por exemplo – foi bem sucedido em abalar a imagem de Haddad graças às históricas deficiências educacionais dos brasileiros. E nisso foi ajudado pelo despreparo da própria campanha petista para lidar com a guerrilha digital adversária.

Da população de 208 milhões de brasileiros, o País tem 147 milhões de eleitores este ano. Deste total, 46% são ou analfabetos, ou apenas sabem ler e escrever, ou cursaram até o ensino fundamental. São dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Diante das deficiências educacionais, elevadas pela falta de qualidade da educação formal, não surpreende o Brasil ter se tornado um paraíso para notícias mentirosas. O brasileiro é quem mais acredita em fake news no mundo. Aqui, 62% admitiram já ter tomado alguma como verdadeira, conforme uma pesquisa global feita entre junho e julho pelo instituto Ipsos. “Essa eleição tem muita confusão mental, as pessoas não têm formação mínima capaz de entender as coisas, de processar informações”, queixava-se na quarta-feira 24 um membro do QG petista.

Imagine-se o dia, não muito distante, que chegar o “infocalipse”, conceito criado por um pesquisador norte-americano, Aviv Ovadya, da Universidade de Colúmbia. Um apocalipse informativo provocado pelo avanço tecnológico, com ameaças para a democracia no planeta.

Hoje já é possível montar um vídeo com uma pessoa a dizer o que ela nunca disse, usando técnicas de inteligência artificial. Aconteceu com Barack Obama no ano passado, um vídeo produzido exatamente como alerta sobre os perigos à vista.

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O maior símbolo da difamação contra o candidato do PT foi a exploração de uma iniciativa de 2011 do ministério da Educação, tempos de Haddad no comando da pasta. O MEC queria combater a homofobia nas escolas e preparou uma cartilha a respeito. A cartilha foi batizada já naquele tempo de “kit gay” pelos evangélicos e ressuscitada agora na eleição.

A rejeição ao petista disparou perto do primeiro turno. Era de uns 30% no início de setembro e chegou a quase 50% em meados de outubro, índice superior ao do antes campeão no quesito, Bolsonaro.

Em 16 de outubro, a pedido de PT, o TSE mandou tirar a “informação” sobre o tal kit da web e de onde fosse. Coincidência ou não, a rejeição de Haddad e Bolsonaro praticamente empatou em um Ibope do dia 23, 41% contra o petista, 40% contra o ex-capitão.

Um dia depois, o deputado do PSL deu uma banana ao TSE e voltou a falar do “kit” na propaganda na TV, razão para nova ação do PT no tribunal.

Difamações à parte, o PT não estava preparado para lidar com a guerrilha digital bolsonarista. Aliás, o candidato da extrema-direita foi subestimado por todos os rivais. Em agosto, um integrante do comitê petista dizia à reportagem: “Se vier o Bolsonaro contra nós no segundo turno, é taça”.

O ex-presidente Lula tinha mais preocupação com a campanha na internet do que os dirigentes petistas e do que Haddad.

Ainda antes de ser preso em abril, e quando trabalhava com a perspectiva de ser candidato para valer, Lula distribuía orientações sobre a importância de se preparar para o embate digital. Ele queria ressuscitar para este ano a equipe e o know-how da reeleição de Dilma Rousseff em 2014.

Essa equipe tinha gente experiente em tecnologia e política. Ela estava por trás, em 2014, do “Muda Mais”, um conjunto de iniciativas virtuais a incluir site, perfil no Facebook e por aí vai. Era comandada pelo ministro da Comunicação Social de Lula no segundo mandato, Franklin Martins. Lula o queria de novo na função em 2018.

Após a prisão do ex-presidente em abril, nem o Instituto Lula nem Haddad, então coordenador final da elaboração do programa de governo petista, abraçaram o Muda Mais.

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