Eloisa Artuso

Pesquisadora, educadora, designer estratégica e cofundadora e diretora executiva da Febre, plataforma de pesquisa, estratégia e conteúdo multimídia

Opinião

Diante da crise climática, moda brasileira pede práticas sustentáveis e inovação

O Brasil Eco Fashion Week, maior evento de moda sustentável da América Latina, acontece em dezembro com ação interativa voltada para a experiência dos consumidores

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A indústria da moda é responsável por 5% a 8% das emissões de gases de efeito estufa anuais globalmente, tendo aumentado suas emissões, contraditoriamente, desde que grandes marcas se comprometeram com a redução da pegada de carbono em suas cadeias, de acordo com estudo. Diria que tão controverso quanto a COP28, maior conferência global do clima, acontecendo esses dias em Dubai, terra do petróleo.

E se de um lado há superprodução, do outro, há hiper descarte: a cada segundo no mundo um caminhão de resíduos têxteis é jogado em aterros sanitários ou incinerado como aponta outro relatório. O setor da moda, sem dúvidas, carrega uma enorme responsabilidade pelos efeitos nocivos que seu modelo linear e exponencial de produção e consumo tem sobre o planeta e sobre as pessoas que, direta ou indiretamente, são afetadas por práticas visivelmente insustentáveis.

Cenas como as montanhas de lixo têxtil no deserto do Atacama, ou as montanhas de lixo que inundam praias em Gana, ou as 45 toneladas de resíduos têxteis descartadas por dia no bairro do Brás, aqui mesmo na cidade de São Paulo, provam o alto custo que estamos pagando. Infelizmente, essas cenas, depois que deixam de ser novidade, parecem não chocar mais. Nós paramos de nos espantar, é só mais uma notícia, só mais um saco de lixo no final do dia na rua esperando para ser coletado. Depois de um tempo, parece que nós passamos a normalizar, ou paramos de olhar. E seguimos nossas vidas, como de costume.

Assim como, quem pode, compra um ar-condicionado e se refresca enquanto o planeta derrete, aproveitando mais um desconto na Black Friday. Nada contra o ar-condicionado, que pode ser necessário para garantir a saúde de muita gente. O meu ponto aqui é que mesmo com a crise climática escancarada cada vez mais diante de nós, vamos acabar aceitando como parte do nosso dia a dia as ondas de calor, como a que estamos enfrentando.

Mas até quando seremos capazes de assimilar catástrofes como parte de nosso cotidiano? Há quem se sinta paralisado diante de tamanhas emergências, o que é compreensível, o medo paralisa e nos faz sentir incapazes diante de tantos desafios. Mas há quem encare de frente. O fato é que precisamos reduzir, decrescer, pisar no freio e pensar no coletivo. Pensar e trabalhar com e pelo coletivo.

Enquanto indivíduos, somos responsáveis por nossas ações, mas enquanto coletivo, nossas ações têm muito mais efeito e relevância. E isso não se reduz, a escolha de compra, nem do ar-condicionado e nem do ventilador de pescoço que vira um novo objeto de desejo de consumo no ano mais quente da história. Precisamos de um novo sistema.

Na moda, pesquisas em torno de novos sistemas e culturas vão dando espaço a iniciativas como a Experiência Moda Circular, fruto da parceria entre o Brasil Eco Fashion Week e o Instituto Febre em colaboração com o Textiles Circularity Centre (TCC) liderado pela Royal College of Art (RCA), do Reino Unido. Esse intercâmbio cultural entre os países, nasce com o intuito de ajudar a promover uma transformação sistêmica na forma de pensar, produzir e consumir e moda.

A instalação Experiência Moda Circular faz parte da linha de pesquisa de Experiência do Consumidor do TCC, liderada pela dra. Bruna Petreca, que explora a hipótese de como as necessidades de bem-estar humano de participação, compreensão, apego às roupas e conexão entre as pessoas podem agregar valor aos materiais e produtos têxteis e, com isso, mantê-los em circulação por mais tempo, reduzindo o consumo.

A ação acontece pela primeira vez no Brasil para descobrir, junto ao público participante da Brasil Eco Fashion Week, como as pessoas, em seu papel de consumidoras podem ser uma peça-chave na cadeia de valor circular da moda, promovendo novas culturas de consumo e catalisando comportamentos sustentáveis a partir de suas próprias experiências. O projeto, que teve sua primeira edição em Londres em 2022, integra métodos de investigação e design centrados no usuário como etnografia e entrevistas a oficinas, e estudos de tecnologias e experiências sensoriais.

O projeto Experiência Moda Circular acontecerá ao longo dos três dias de Brasil Eco Fashion Week, fechando com uma palestra da Dra. Bruna Petreca, seguida por um debate com especialistas locais, em torno das percepções e resultados rápidos do projeto no Brasil. O caminho para a transição entre o modelo linear de produção, ainda hegemônico na indústria de transformação em geral, para um novo que opere de forma circular propõe que designers, produtores, varejistas e consumidores sejam desafiados a assumir todo o ciclo de vida de uma peça de vestuário. E para motivar as pessoas a manter suas roupas por mais tempo, as marcas devem oferecer experiências e serviços relacionados a produtos que satisfaçam as necessidades de bem-estar humano.

O Brasil possui a maior cadeia produtiva de moda do Ocidente e é um dos grandes atores globais do setor – e dos debates em torno das mudanças climáticas – 80% das emissões globais são responsabilidade de apenas 15 países, e o Brasil é um deles. Por aqui, mais da metade das emissões vêm de mudanças de uso da terra, ou seja, envolve questões como desmatamento e queimadas para abertura de pastos e grandes cultivos de monoculturas (vide a produção de algodão devastando o Cerrado afora).

É extremamente importante olhar bem de perto e abordar urgentemente os impactos gerados ao longo de toda a indústria da moda, desde a aquisição de materiais até o descarte, e exigir as mudanças necessárias para transformar esse sistema agora. E por agora, eu quero dizer mesmo agora, não amanhã, não em 2030, quando as emissões do setor já deverão ter sido reduzidas pela metade para segurarmos a subida da temperatura média global em 1,5ºC. Sem esperar os acordos que serão costurados ao final dessa COP28, presididos por um representante da indústria petroleira. Não em 2050, quando nosso cotidiano já estará tão alterado, que eu não consigo imaginar como as gerações jovens lidarão com os problemas que estamos entregando para elas. Convido você a não tocar sua vida, como de costume, a procurar saber mais, entender como participar, de forma ativa, na construção de um novo sistema.

Se você quiser começar pela moda e estiver em São Paulo venha conhecer a Experiência Moda Circular, que acontece nos dias 7, 8 e 9 de dezembro. Basta se inscrever gratuitamente aqui.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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