Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Dia do aniversário

Hoje, gosto dos parabéns que chegam pelas redes sociais, mas não me venham com o ‘Parabéns pra você’ em volta de uma mesa

Dia do aniversário
Dia do aniversário
Foto: Arquivo Pessoal
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Desde muito pequeno, calça curta e botinha ortopédica, nunca gostei do dia do meu aniversário. A primeira lembrança que tenho deste dia é uma foto meio amarelada do meu primeiro ano de vida – setenta e dois anos atrás. E como dói.

Foi a última festa – festa mesmo – que me lembro. Uma mesa com um bolo enorme, Guaraná Champagne Antarctica e muitos pratinhos de doces e salgados: cajuzinho, olho de sogra, beijinho, brigadeiro, isso no quesito docinhos. De salgadinhos tinha pastelzinho português, mini coxinha, doguinho e empadinhas de palmito.

Todos os amigos em volta da mesa: Nilo, Máximo, Marco Aurélio, Marcia, meus irmãos, meus pais, tios e tias. Assustado, eu ouvia o Parabéns pra Você, vestindo um terninho de lã, segurando um caminhãozinho que ganhei de presente.

Acho que depois desse dia, nunca mais quis festa de aniversário. Envergonhado, nem parecia um leãozinho do horóscopo. Tinha pavor de ouvir todo mundo cantando para mim, batendo palmas e eu – rubornizado – sem saber o que fazer.

Quando cresci, fiz um pacto com a minha mãe. Todo dia do meu aniversário, eu faltaria na escola. Sabia que iam cantar parabéns pra mim e fugia disso. Quando voltava no 4 de agosto, pronto, já tinha passado.

Prova disso eram as cadernetas escolares que guardei durante muito tempo. Todo dia 3 de agosto, um carimbo: ausente!

Dos presentes, eu gostava. Nunca me esqueço uma coleção de seis carrinhos da Matchbox que ganhei quando fiz cinco anos, um Pato Donald de lata que andava quando dávamos corda aos seis, de uma Monark pneu balão que ganhei aos sete anos e um barbeador Phillishave, aos dezoito.

O dia do aniversário não era medo de ir ficando mais velho. Hoje me sinto feliz com os 73 anos nas costas, rodeado por uma mulher maravilhosa, quatro filhos e um punhado de genros, ex-genros, noras, ex-sogras, um caminhão de amigos e amigas presenciais, mais vinte e seis mil virtuais.

Hoje, gosto dos parabéns que chegam pelas redes sociais e, confesso, me amarro num bolo de abacaxi com coco. Mas não me venham com o Parabéns pra você em volta de uma mesa. Dessa música ainda tenho medo.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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