Opinião

Como guiar-se, quando a ética, a política e a justiça ruem?

Como pode uma sociedade sobreviver sem princípios éticos comumente aceitos por toda a comunidade nacional?

Foto: NELSON ALMEIDA / AFP
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O silêncio da grande imprensa brasileira sobre as contas em paraísos fiscais do ministro da economia e do presidente do Banco Central denotam a ausência de ética no capitalismo brasileiro. Ao capital, tudo é possível, até mesmo comprar a ética, para, assim, destruí-la.

Entretanto, cabe perguntar: como pode uma sociedade sobreviver sem princípios éticos comumente aceitos por toda a comunidade nacional?

De fato, ambos os funcionários violaram o código de ética do serviço público, ao manterem contas em paraísos fiscais, beneficiando-se do conhecimento privilegiado que os respectivos cargos lhes provêm e das próprias ações de ofício.

No belíssimo romance Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, vencedor dos prêmios Oceanos e Jabuti (Editora Todavia), lemos: “…tudo o que admirava em Severo era a mesma capacidade que meu pai tinha de conduzir pessoas por caminhos tortuosos.”

Que difícil tarefa! Como guiar-se, quando a ética, a política e a justiça ruem?

O mesmo ministro detentor de conta no paraíso fiscal determinou o corte de 92% dos recursos destinados à pesquisa pública!

Mais se aprofunda a condição de colônia agro-exportadora do País. Mais nos enterramos na miséria, na fome, na violência.

“Pensemos, por exemplo, nos paraísos fiscais, que 35 anos atrás não existiam. Então, eu me pergunto: um ato de vontade política não acaba com essa sujeira?” – Stefano Zamagni, presidente da Pontifícia Academia das Ciências Sociais

Dessa forma, menos livres seremos, mais atados a mentiras, como aquela de que o agro é tudo, quando o agronegócio é o principal responsável pelas mudanças climáticas que geram tufões, tempestades de areia e secas inclementes, além de drenar mais recursos públicos do que gera para o erário.

Nunca tantos brasileiros e brasileiras deixaram o Brasil. Não os culpo.

Em Amada, da Prêmio Nobel Toni Morrison (Companhia das Letras) – escritora negra como Itamar Vieira -, estadunidense, esse sentimento é traduzido nas palavras: “Ele sabia exatamente do que ela estava falando: chegar a um lugar onde você podia amar qualquer coisa que quisesse – sem precisar de permissão para desejar, bom, ora, isso era liberdade.”

Infelizmente, os Estados Unidos continuam mais interessados em guerra do que em paz. Ao enviarem “forças especiais” para Taiwan, demonstram que irão concentrar suas provocações imperiais na disputa de hegemonia (perdida de antemão) com a China.

A fragilidade das diplomacias paquidérmicas é a tendência inelutável à uniformização. Acreditam que ao tratar com uma superpotência – que lhes é superior econômica e tecnologicamente – sejam igualmente eficazes as mesmas políticas tacanhas que utilizam em suas zonas de influência mais imediatas. Nada mais enganoso e perigoso.

Não é outro o sentido da criação, pela CIA, do “Centro de Missões da China”.

Crer, porém, que se vence uma corrida com o Império do Meio com as mesmas políticas ilegítimas e ilegais de que a CIA sempre se serviu na América Latina é investir muito dinheiro na derrocada, de que a evacuação do Afeganistão não poderia ser mais simbólica: trilhões de dólares incinerados em maus conselhos, resultando em morte, dor e vergonha.

Em Islã, esse desconhecido – séculos VII-XIII, de Samuel Sérgio Salinas (Editora Anita Garibaldi), o autor cita Cláudio Torres, para quem: “…é muito raro na história das civilizações que tenham os militares contribuído para a divulgação de idiomas e cultura.”

A propósito do agro, Salinas recorda que sob o Islã: “as fazendas improdutivas por mais de três anos podiam ser confiscadas e revendidas.”

Quando assistimos à cumplicidade do Conselho Federal de Medicina com o charlatanismo oficial que prescreveu drogas ineficazes no tratamento preventivo da Covid 19, Salinas nos alerta para a sofisticação da medicina islâmica, ainda na Idade Média, observando que: “os médicos árabes usavam a música para o tratamento.”

Ao citar Roger Garaudy e a importância do moral sobre o físico, reproduz a menção de Garaudy ao grande médico Avicena: “Devemos considerar que um dos melhores tratamentos, um dos mais eficazes, consiste em aumentar as forças mentais e psíquicas do paciente, em encorajá-lo à luta, em criar em torno dele um ambiente agradável, fazê-lo escutar boa música, pô-lo em contato com pessoas que lhe agradem.” Uma bela homenagem ao 10 de outubro, Dia Mundial da Saúde Mental.

Quanto aos despropósitos éticos do ministro da economia e do presidente do Banco Central, também nos ensina Salinas, citando Farah: “…o crescimento do Islã decorreu menos do esforço consciente para a disseminação da fé e mais da conduta exemplar dos conquistadores, manifestado em suas vidas particulares.” Ao citar Djait, complementa: “Constituíam kulturnation e não staatsnation.”

Às vésperas da COP 26, o Papa Francisco, em Quem sou eu para julgar?, recorda-nos que a ética deve ser extensiva à natureza: “Temos necessidade de ver…a ligação entre o ambiente natural e a dignidade da pessoa humana.” Completa o Pontífice: “Se quisermos, de verdade, construir uma ecologia que nos permita reparar tudo o que destruímos, nenhum ramo das ciências e nenhuma forma de sabedoria poderá ser esquecida.”

A reflexão permite a extensão: nenhuma cultura, religião – ou ausência dela -, moral, ética ou política poderá nos alienar do destino comum, da casa comum, em que as mulheres, os homens e toda a criação sejam os protagonistas do paraíso; que jamais a evasão de divisas, de ética e de responsabilidade voltem a se apropriar da vida, em todas as suas formas.

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