Economia

Bolsonaro vai culpar Dilma Rousseff pela próxima recessão. Até quando?

Os mercados andam otimistas com o futuro do Brasil. Mas elas erram com grande frequência

Dilma e Temer (Foto: Fernando Frazão)
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A eleição de Jair Bolsonaro teve um impacto favorável sobre a Bolsa de Valores e sobre as previsões de crescimento feitas no mercado financeiro para 2019. O desemprego continua, no entanto, elevadíssimo e a produção industrial patina mês a mês.

O problema é que faz tempo que o mercado financeiro erra previsões sistematicamente. Em outubro de 2017, Henrique Meirelles previu que a reforma trabalhista geraria 6 milhões de empregos. O ministro do Trabalho foi mais modesto: 2 milhões em 2018 e 2019. Até agora mal superamos 5% da meta de Meirelles.

No mercado financeiro, muitos sonhavam no fim de 2017 que a economia cresceria 3% em 2018. O motivo? O “sucesso” das reformas de Temer que cortaram direitos dos trabalhadores, o gasto social e o investimento público, privatizaram o pré-sal e liberaram a Petrobras para elevar preços de combustíveis de acordo com a especulação no mercado internacional.

Mais tarde culpariam a greve dos caminhoneiros por mais um erro de previsão. Mesmo antes dela, contudo, o investimento privado não deu mostras de animação porque a demanda dos consumidores continuou com o passo de tartaruga e o investimento público despencou.

Diga-se de passagem que o bloqueio das estradas não foi um acaso, mas uma resposta direta ao que queria o mercado financeiro. Assim como a revolta dos “coletes amarelos” na França, o Brexit e a eleição do Donald Trump, a greve foi uma reação mais ou menos natural às reformas neoliberais que jogam todos os ônus nos de baixo e protegem o andar de cima, seguindo os conselhos do “mercado”.

O mercado financeiro ainda não percebeu que erra suas previsões de crescimento porque seus próprios conselhos dificultam que a economia cresça, quando não a atiram de cabeça na recessão.

Estranhamente, no lugar de culpar a si mesmos, os conselheiros do mercado financeiro e seus seguidores no jornalismo econômico continuam a culpar Dilma Rousseff.

O mais curioso é que culpam a Dilma Rousseff da época em que a economia ainda crescia.

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Como todos sabem, Dilma atacou interesses do mercado financeiro. Primeiro, limitou em 2011 o ganho fácil com a especulação cambial que prejudicava exportações brasileiras. Depois, estimulou o Banco Central a cortar a taxa de juros básica.

Finalmente, travou uma batalha com a Federação Brasileira dos Bancos sobre os juros cobrados pelos bancos aos consumidores e às empresas. Os bancos públicos chegaram a cortar suas taxas para induzir os privados a competirem com juros menores.

Guedes vai experimentar (Foto: Fernando Frazão/ABr)

Economistas de mercado e jornalistas simpáticos iniciaram uma guerra contra a chamada Nova Matriz Econômica. Mais tarde, um executivo bancário admitiu que houve pressão coordenada para elevação dos juros básicos em 2013, quando o BC dos EUA ameaçou elevar taxas de juros.

O recuo do governo iniciou-se em 2013, mas só se completou depois da eleição de 2014. Ao convidar o presidente do Bradesco e depois nomear Joaquim Levy na Fazenda, Dilma entregou os pontos, talvez para se concentrar na luta contra Eduardo Cunha. Recuou e propôs paz aos bancos.

Eles aceitaram. Subitamente, os mercados se tornaram mais otimistas. Depois que Levy foi convidado e prometeu corte grande no gasto público, as expectativas de mercado cravaram um crescimento de 0,8% para 2015. Um pouco mais pessimista foi o colunista Samuel Pessôa, que previa crescimento de 0,5%.

A economia despencou 3,8% em 2015. Ao invés de admitir seu erro brutal de previsão, Pessôa criticou recentemente a explicação do Nobel Paul Krugman para a crise brasileira, mas mencionando decisões dos governo Lula e Dilma que tinham ocorrido quando ele fez sua própria previsão errada!

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Corretamente, Krugman lamentou que Levy acreditou na “fada da confiança”, ou seja, na ideia desacreditada (exceto na imprensa brasileira) que a austeridade favorece o crescimento porque aumenta a confiança dos mercados no pagamento da dívida pública, ainda que deprima a demanda de bens e serviços.

No fundo, o erro é achar que o governo pode poupar quando a economia desacelera e quando empresas e famílias também tentam poupar para pagar dívidas.

O problema é que a queda do gasto privado produz queda da arrecadação tributária. Se o governo poupar gastos para acompanhar a queda da arrecadação, as vendas dos empresários e os salários das famílias voltarão a cair.  Daí se cria um círculo vicioso no qual nem o governo nem as firmas ou as famílias conseguem poupar e pagar dívidas como gostariam. Os bancos cortam o crédito e contribuem para a inadimplência de que tem medo.

Keynes chamou isto de “paradoxo da poupança”. Concluía que o momento para a austeridade fiscal é o boom, nunca a recessão. Ela vai alongar muito o tempo para que as dívidas diminuam e, portanto, vai atrasar a retomada do crescimento.

É pedir demais que os conselheiros do mercado leiam Keynes.

Mas podiam ler o FMI, cuja principal publicação anual afirmou, em abril de 2012, “que os mercados parecem um pouco esquizofrênicos – pedem austeridade fiscal, mas reagem mal quando a austeridade fiscal leva a um crescimento menor”.

Mais uma vez, o mercado financeiro está otimista com os cortes prometidos por Paulo Guedes para 2019, que podem chegar a 140 bilhões de reais se eliminar o déficit primário sem receitas extraordinárias. Se fizer o que promete, a economia vai desacelerar forte e talvez até entrar em recessão, a menos que a produção agropecuária e as exportações bombem.

O cenário é incerto, pois não sabemos como será a safra de grãos ou se Paulo Guedes fará mesmo seus cortes gigantes. Ou se o novo chanceler Ernesto Araujo vai prejudicar as exportações de soja para a China, as industriais para a Argentina ou as de carne para os árabes com sua política externa “pós-ideologia”.

Só uma coisa é certa. Se os conselheiros do mercado financeiro errarem suas previsões de novo (crescimento de 2,5% em 2019), não vão mostrar a menor vergonha ao culpar, junto com Bolsonaro, as decisões de Dilma de 2012.

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