Josué Medeiros

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Josué Medeiros é cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB)

Opinião

Convocação de Bolsonaro deve levar alguns à Paulista, mas não como antes

Com o avançar das investigações, a extrema-direita perdeu o dinheiro e a estrutura política que tinha à sua disposição antes do 8 de Janeiro

Foto: Reprodução/Redes Sociais
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A semana do carnaval foi marcada por um acontecimento político gigantesco: a operação Tempus Veritatis, no dia 8 de fevereiro, na qual a Polícia Federal avançou nas investigações sobre o núcleo político golpista do governo Bolsonaro, incluindo o próprio ex-presidente.

Em meio ao envolvimento com a festa carnavalesca, o debate público se debruçou sobre os impactos dessa operação, sobretudo sobre uma possível prisão de Bolsonaro, evento que, na medida em que ocorrer após o todo o curso do devido processo legal, será a confirmação de que a nossa democracia avançou ao não anistiar os golpistas do século XXI como infelizmente fizemos com os golpistas do século XX.

Mas há uma outra dimensão importante deste processo: como as investigações e punições aos golpistas afetarão o desempenho o bolsonarismo nas urnas? Nesse caso, é fundamental dividirmos a análise em dois eixos. O primeiro eixo é o eleitoral, do voto e da popularidade; o segundo é o eixo político, das articulações e estruturas que são imprescindíveis em qualquer eleição. 

Bolsonaro seguirá polarizando a política brasileira em 2024 (e, provavelmente, também em 2026)

Do ponto de vista eleitoral, me parece um erro grave considerar que Bolsonaro deixará de ser um ator importante em 2024. O que todas as pesquisas mostram é que há uma fatia considerável do eleitorado que concorda com a narrativa de perseguição, o que reforça seu jeitão antissistema que tanto sucesso fez em 2018. Um levantamento do instituto Atlas, divulgado no dia 9 de fevereiro (ou seja, logo após a operação da PF) mostra que 42,2% acreditam nesta tese, contra 40,5% que pensam diferente. 

É possível que essa situação de empate técnico seja superada, com o avanço das investigações, em favor dos que pensam que as instituições estão simplesmente fazendo seu trabalho. Ainda assim, mesmo que Bolsonaro seja preso, nada indica que esse percentual será menor que 30%, patamar que podemos considerar como mínimo de sua popularidade desde que se tornou presidente. 

Uma liderança que segue capaz de mobilizar 1/3 do eleitorado – mesmo estando fora do poder e com uma série robustas de investigações contra si – é, sem sombra de dúvidas, um ator importante em qualquer eleição. Bolsonaro seguirá polarizando a política brasileira com Lula em 2024 (e provavelmente também em 2026).  

Entretanto, é razoável esperar uma diminuição do apoio a Bolsonaro, provavelmente abaixo dos 43% do primeiro turno de 2022. Isso se deve às consequências das investigações sobre as estratégias e a organização política que ele vem montando desde que se lançou candidato a presidente, em 2017. 

Eleições não passam apenas pela popularidade dos líderes. Passam também pela capacidade que eles têm de formar alianças e organizar estruturas eleitorais capilarizadas que sustentem seus projetos. É aqui que a existência de partidos políticos organizados se torna fundamental. Via de regra, esses partidos devem estar organicamente ligados a redes de associativismo na sociedade civil (movimentos sociais, núcleos nos bairros, igrejas, clubes, entidades representativas, etc.).

Lula tinha todos esses elementos quando passou pelo pior momento de sua vida política, com sua prisão ilegal que o retirou da disputa eleitoral em 2018, além do golpe parlamentar contra Dilma em 2016. Bolsonaro, por sua vez, não tem uma articulação desse porte consolidada. Ao contrário.

O que Bolsonaro fez foi estabelecer uma aliança com um conjunto de políticos tradicionais – Valdemar Costa Neto com seu Partido Liberal à frente – na qual eles fornecem os elementos típicos da política (alianças, estrutura nos estados, profissionalização) enquanto Bolsonaro entra com a popularidade. Trata-se, como o noticiário vem mostrando, de um pacto firmado em um tenso e fugaz equilíbrio, no qual Bolsonaro e Valdemar se revezam em quem avança e quem contém seus “pitbulls”, conforme a negociação em cada cidade. 

Ocorre que o ministro Alexandre de Moraes demonstrou que a estrutura do PL foi capturada pelo golpismo. Isso significa que o experiente Valdemar sucumbiu ao popular Bolsonaro nesse pacto tenebroso. A primeira consequência dessa submissão é que Moraes proibiu que Valdemar e Bolsonaro mantenham conversas, pelo óbvio motivo de que poderiam combinar formas de atrapalhar o andamento das investigações. O impacto dessa interdição nas tratativas políticas da extrema-direita será enorme, uma vez que os dois conduziam diretamente a montagem de chapas nas grandes e médias cidades. Minha aposta é que o próximo passo de Moraes será confiscar o fundo partidário e eleitoral do PL, um duro golpe nas pretensões do bolsonarismo em 2024. 

Bolsonaro convocou um ato para se defender, no dia 25 de fevereiro, na Avenida Paulista. Seu sucesso (ou fracasso) colocará à prova as duas dimensões aqui analisadas: é esperada alguma presença de público, dada a popularidade do ex-presidente. Mas bem menos do que antes, porque a extrema-direita perdeu o dinheiro e a estrutura política que sempre teve à sua disposição antes do 8 de Janeiro.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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