No ambiente progressista, por vezes se nota uma resistência à consideração do elemento jurídico nas análises políticas, quando é ele que desvela movimentos que antecipam intenções perigosas. Enfrentamos atualmente no Brasil uma crise institucional relacionada ao indulto concedido por Jair Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira, do PTB. Ele havia sido condenado a oito anos e nove meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal, após divulgar um vídeo com ameaças aos magistrados da Corte. Para entender as implicações mais temerárias da condução desse episódio, é necessário aprofundar a análise para consequências dele oriundas, mas que não se restringem ao debate sobre a concessão em si: vão muito além.
O cerne do problema reside nos fundamentos apresentados para produzir o indulto. A primeira razão que o presidente alega, e a mais importante, é que a graça concedida é uma forma de proteção à liberdade de expressão. Bolsonaro quis formular um juízo de que Silveira não cometeu um crime, ou que a decisão do Supremo é injusta ou inadequada à Constituição e às leis. Esse juízo ele não pode pronunciar. O indulto é um ato de misericórdia e perdão que se aplica a um crime cometido. A fundamentação de Bolsonaro funciona quase que como a de um órgão de recurso das decisões do Supremo, pretendendo substituí-lo em seu papel essencial de intérprete final e guardião da Constituição. A natureza do indulto não é a de um mecanismo de revisão judicial.
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